É muito pertinente a sua dúvida no trema, Sr.ª Prof.ª Aline Brandão. Quanto à anterior pergunta, admira-me que não tenha recebido resposta, pois Ciberdúvidas costuma responder sempre. Se se trata do tema Linguiça/lingüiça, que agora recebi, veja resposta nesta data.
Dada a sua tão grande curiosidade de jovem, faço um pouco de história:
O problema do trema tem tido várias soluções neste século. Na extensa portaria portuguesa de 1911-Ago-23, em que foi relator Gonçalves Viana, recomendava-se substituir o trema pelo acento gráfico grave (ex.: «agùentar»). Porém, na portaria 1920-Nov-29 voltava-se ao trema (ex.: agüentar). Até que no acordo de 1945-Ago-10 (norma ainda em vigor em Portugal), Base XXVII: «O trema, ….., é inteiramente suprimido em palavras portuguesas ou aportuguesadas.» (ex.: em Portugal passou a grafar--se, definitivamente, aguentar, saudade, etc., desde essa data).
O Brasil adoptou/adotou como base o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, de 1940 (com substituição de algumas formas pelas usadas no Brasil); e entendeu que não devia seguir o acordo de 1945. Ora, nesse Vocabulário de 1940, o trema era ainda admitido. Até que, em 1971, o Brasil aboliu o trema em hiatos como saudade, mantendo-o nos grupos qu e gu, quando o u é pronunciado (ex.: agüentar, grafia registada/registrada actualmente/atualmente no dicionário brasileiro Aurélio).
O acordo de 1990 (novo acordo ortográfico), Base XIV, suprime o trema para toda a lusofonia, nos mesmos termos do acordo de 1945, em palavras portuguesas ou aportuguesadas (ex.: passará a escrever-se aguentar também para o Brasil). Uma cedência dos cientistas brasileiros, entre outras de parte a aparte, para uniformizar a nossa comum Língua.
Claro que, como muito bem observa, a supressão completa do trema não foi uma decisão perfeita. Aponto alguns exemplos:
a) Segundo o que foi oficializado, em Portugal pela portaria de 1911 e no Brasil pela Base XII, a diérese no ditongo oi, da palavra proíbo é feita com acento agudo, porque a sílaba é tónica/tônica. Mas em proibido a separação não é assinalada (em sílaba átona), porque não são presentemente permitidos nem o acento grave nem o trema. O resultado é aparecerem grafias do tipo «proíbido», transformando, erradamente, a palavra paroxítona em proparoxítona.
b) A falta do trema nos grupos qu e gu, quando a letra u é pronunciada, pode dar origem a retornos da grafia sobre a fonia (ex: eloqüente ¦ku-en¦, escrito eloquente, pode ser pronunciado ¦ken¦). Como curiosidade, em Portugal são já, por exemplo, segundo Rebelo Gonçalves, válidas as duas variantes gráficas bilingue ¦gg_e¦ (letra u muda) e bilíngue ¦gu-e¦ (u pronunciada e palavra esdrúxula aparente). O que faz confusão ao utente desprevenido, pois, neste caso, é a vogal i que é necessário acentuar graficamente quando a letra u é pronunciada.
c) O facto/fato de o trema ser "completamente suprimido" não se coaduna com a obrigatoriedade imposta pelas normas de o utilizar «em palavras derivadas eruditamente de nomes próprios estrangeiros», como, por exemplo, mülleriano (Base II de 1945 e 3.º da Base I do novo acordo)… O utente que unicamente saiba que o trema morreu, tende a escrever «mulleriano».
A supressão do trema é uma simplificação, como o foi a dos acentos grave e circunflexo em palavras derivadas (ex.: portuguesmente e praticamente, sozinho, etc.); ou dos acentos nos homógrafos heterofónicos/heterofônicos (ex.: pega, ave e pega, de pegar); ou ainda, algumas novas, propostas pelo novo acordo. A crítica que se possa fazer a estas simplificações é semelhante à que se faz sempre, quando se propõe a supressão dos acentos nas proparoxítonas (é o cágado que se poderia confundir com cagado…). As simplificações, no meu ponto de vista, são meritórias, pois o contexto normalmente desfaz ambiguidades/ambigüidades, mas penso que falta alguma tolerância aos cientistas dos últimos acordos. Penso que há rigidez em excesso na imposição de tantos acentos gráficos na escrita comum, e também rigidez na eliminação de diacríticos, quando fazem falta por questões didácticas/didáticas. A proibição do trema, como se fosse um sinal sacrílego na língua, é um exemplo desta rigidez. O trema é útil. Devia, por isso, pelo menos, ser facultativo no novo acordo (ex.: se fosse necessário por questões didácticas/didáticas, deveríamos poder escrever: «reütilize, agüentar, saüdade, etc.).
Em relação ao seu texto, note que em Portugal escrevemos: "desconhecida à primeira vista", com acento no a. Verifique também se terá havido erro de dactilografia no termo «aquei» que escreveu. O meu processador de texto acusa imediatamente o erro.
Ao seu dispor.