Na tragédia, as personagens desafiam os deuses e a ordem estabelecida (estamos na hybris) nas interrogações que lançam sobre o sentido da vida e do destino humano; apesar do travão ao movimento libertário do sujeito exercido pelo coro (que, simultaneamente, sugere ao espectador do que irá passar-se), a vingança (némesis) dos deuses não será esquecida. Esse processo, até à concretização do fatum, ou fado (ananké), assenta em peripécias que concorrem para um clímax e, segundo alguns mecanismos (o da agnórise, p. ex., em que se desvelam inesperados laços parentais, do que também se servem as telenovelas) desemboca em catástase, fase final que resume o sentido e consequências trágicas da acção. Era função da tragédia que o espectador, não raro partícipe dos destinos da pátria evocados na peça (como também pretende, algo subtilmente, Garrett, que dá no Frei Luís de Sousa o Portugal asfixiante do governo cabralista, embora, à superfície, o argumento decorre sob Filipe II de Espanha), nela soltasse, igualmente, as emoções e saísse purificado (cathársis). Em Garrett, Telmo funciona como o coro, entre sinais e agoiros; mas, servindo-se da prosa (e não da nobreza do verso, como requeria a tragédia canónia) e de um espírito cristão inadmissível naquela, só faltava, para se afastar, de vez, da tragédia que abolisse (o que faz) a regra das chamadas três unidades: de tempo, lugar e acção. A fatalidade que, todavia, deste drama resulta (com algum desvio à verdade histórica) não deve escamotear duas realidades profundas já patentes na tragédia: ser um caso de consciência, e derrotada; e, em última instância, para lá da frente de política de facção imediata, reivindicar a compreensão e piedade públicas para o caso da própria filha de Garrett, nascida poucos anos antes de uma relação não caucionada pela sociedade, nem pela Igreja. Teria a inocente, parece perguntar-se o autor, o trágico destino da filha de D. Madalena e seu segundo marido (como também Adelaide Pastor sucedia a Luísa Midosi no coração de Garrett)?