A obra Frei Luís de Sousa é matéria que tem constado dos programas de Português das nossas escolas há muitas décadas, havendo uma literatura vasta sobre a sua classificação. Se a informação pedida se destina a obter um conhecimento de natureza escolar, é conveniente a consulta de manuais ou estudos sobre a obra, no sentido de corresponder ao que é exigido nos programas de Português do Ensino Secundário.
Vou, no entanto, responder às suas perguntas, mas, como é óbvio, de uma forma sucinta.
1. Em primeiro lugar, uma informação geral sobre o drama romântico e a tragédia clássica.
1.1. O drama romântico é um género teatral em que aparecem unidos o elemento trágico e o cómico, o sublime e o grotesco. O drama parte da realidade, tenta retratar a vida real, mas apresenta uma série de situações com diversas personagens que se envolvem em vários episódios, sucedendo-se rápida e confusamente, sem unidade de acção e por vezes com falta de verosimilhança. O desfecho pode ser trágico ou não.
1.2. A tragédia clássica é um género nobre, cultivado inicialmente na Grécia. As personagens, ilustres, protagonizam uma acção recheada de atitudes nobres, de coragem, mas em que o protagonista, pessoa justa e sem culpa, caminha inexoravelmente em direcção à desgraça ou à morte, vítima de um destino que não consegue vencer. O fim da tragédia é o de provocar o terror e a piedade.
2. A obra Frei Luís de Sousa não é exemplo típico nem de uma tragédia clássica nem de um drama romântico. É uma obra híbrida, a nível da classificação quanto à sua natureza. O próprio Almeida Garrett o diz na "Memória ao Conservatório Real", texto por meio do qual faz a apresentação da sua peça: "Contento-me para a minha obra com o título de drama; só peço que a não julguem pelas leis que regem, ou devem reger, essa composição de forma e índole nova; porque a minha, se na forma desmerece da categoria, pela índole há-de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico."
2. O que há de tragédia na obra?
2.1. Elementos comuns à tragédia clássica:
a) a classe social dos protagonistas: pessoas de estirpe elevada;
b) o carácter justo e íntegro das personagens sobre as quais recai a desgraça;
c) a existência de um conflito: um conflito interior vivido essencialmente pelas personagens de D. Madalena de Vilhena e de Telmo;
d) o desafio ao destino: feito por D. Madalena e D. Manuel de Sousa Coutinho, quando casam sem a certeza absoluta de que D. João estava morto;
e) o sofrimento como uma constante ao longo da obra, especialmente vivido por D. Madalena;
f) os pressentimentos, a criação de uma atmosfera de temor: os presságios de Telmo, as datas, o incêndio do retrato de Manuel de Sousa Coutinho, o sebastianismo;
g) o papel do Destino, entidade à qual o homem não pode fugir;
h) a peripécia: o incêndio do palácio de Manuel de Sousa Coutinho, da responsabilidade do próprio, o que vai originar a ida da família para o palácio de D. João, aonde este se dirige imediatamente, mal chega a Portugal, sem tempo para se inteirar bem de todos os aspectos da situação;
i) o reconhecimento de uma personagem: o Romeiro como D. João de Portugal;
j) a existência de um clímax (a revelação da identidade do Romeiro), a partir do qual o desenlace trágico se torna irreversível;
k) a catástrofe: a morte de uma vítima inocente - D. Maria -, a ida dos seus pais para o convento (morte para o mundo), a destruição psíquica de Telmo e o sofrimento de D. João;
l) a catarse: o sentimento de terror e piedade provocado nos espectadores, levando-os à aprendizagem de uma lição, à purificação espiritual.
2.2. Aspectos em que se afasta da tragédia clássica:
a) o facto de estar escrita em prosa (a tragédia clássica era em verso);
b) a utilização de um registo de língua coloquial, fluente, próximo da realidade (diferente do tom solene e vocabulário culto da tragédia clássica);
c) o facto de ter três actos e não cinco;
d) o desrespeito pela lei das três unidades: há apenas unidade de acção, mas não há unidade de espaço (o 1.º acto passa-se no palácio de Manuel de Sousa Coutinho, o 2.º no de D. João de Portugal e o 3.º na parte baixa deste palácio e na igreja de S. Paulo), nem de tempo (os acontecimentos não se dão num dia – máximo de 24 horas - mas sim numa semana);
e) a supressão da personagem do Coro, que tinha a função de prever e comentar os acontecimentos, embora se considere que Telmo desempenha parte dessas funções;
f) o assunto, que não diz respeito às lendas ou histórias da Antiguidade Clássica, mas é, sim, um assunto retirado da realidade do seu país, com actualidade e com fundo histórico.
3. Quais os factores que contribuem para a denominar de "drama"?
São precisamente estes seis, em que se afasta da tragédia clássica e reflecte as características do drama de proximidade com a realidade.
Como se pode depreender dos tópicos apresentados, esta obra está muito mais próxima da tragédia do que do drama. Garrett apenas não a denominou assim porque o género tragédia tinha tal solenidade e conjunto rígido de regras que o autor preferiu a prudência de uma designação menos prestigiosa, o que lhe pouparia algumas críticas.