A sua pergunta corresponde, de facto, a duas vertentes:
– os critérios da ortografia portuguesa;
– as dificuldades na escrita.
Em relação ao primeiro ponto, é preciso esclarecer que a ortografia portuguesa concilia dois aspectos: por um lado, procura reflectir um modelo ou um padrão de pronúncia no espaço de língua portuguesa através de certas relações regulares entre sons e símbolos gráficos; por outro lado, conserva graficamente certas distinções que têm origem na história dos sons da língua e que hoje só se encontram em certas zonas de Portugal.
Desta forma, é possível saber com segurança que sons como [p] e [b] se escrevem respectivamente p em pata e b em bata. Do mesmo modo, a respeito da confusão entre lh e nh, trata-se de dígrafos que representam sons com alguma afinidade, pois, quanto ao seu ponto de articulação, estamos a falar de consoantes palatais. Mas quem escreve deve estar atento à diferença que, de facto, reside no modo de articulação: o lh de telha – e de filho – corresponde a uma consoante lateral, enquanto o nh de tenha é uma consoante nasal.
Contudo, não é infelizmente possível formular uma regra que explique por que razão «paço» se escreve com ç, e «passo», com ss, quando a grande maioria dos falantes de português sabe que ambas palavras têm a mesma forma fonética, isto é, são homófonas.
A única solução é a escolaridade e a cultura geral, as quais vão permitir saber que paço se escreve assim porque evoluiu da palavra latina ‘palatiu-‘, enquanto passo derivou do latim ‘passu-‘.
Também não é possível definir uma regra quanto aos usos de -s- e -z- entre vogais. Quer dizer que a diferença entre coser (uma saia) e cozer (batatas) só é semântica e gráfica, porque para a maioria dos falantes não é fonética nem fonológica. Neste plano, ou temos de recuar à Idade Média ou então pedimos a um falante do Nordeste de Portugal que pronuncie as palavras. A este nível, disléxicos e não-disléxicos parecem estar, à partida, todos em desvantagem, se não tiverem esse conhecimento e, no fundo, esse treino de escrita.
No primeiro caso apresentado na pergunta, acerca do uso de j e g para representar o som [], pode-se considerar que a regra se cumpre geralmente, seguindo a formulação da própria consulente: escreve-se j antes de a, o e u, mas usa-se g antes de e e i. Mas, porque a ortografia portuguesa não é inteiramente fonética, há excepções à regra, pois há palavras que têm j antes de e e i, como, por exemplo (ver Magnus Bergström e Neves Reis, Prontuário Ortográfico e Guia da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Notícias, 2004, pág. 18):
– granjear, porque deriva de granja;
– intrujice, porque deriva de intrujar;
– jeito e verbos derivados ou relacionados (trejeito, ajeitar, enjeitar, rejeitar);
– jeira («terreno lavrado ao dia», «remuneração diária»), por questões etimológicas e de tradição ortográfica;
– jibóia, pelos mesmos motivos de jeira;
– laje, pelos mesmos motivos de jeira, e o seu derivado lajedo;
– laranjeira, porque deriva de laranja;
– lisonjeiro, porque deriva de lisonja;
– lojista, porque deriva de loja,
– majestade (cf. jeira);
– pajé («feiticeiro, entre os índios do Brasil»; cf. jeira);
– pajem (cf. jeira);
– rijeza, porque deriva de rijo;
– sabujice, porque deriva de sabujo;
– sarjeta (cf. jeira).
– algumas formas do verbo viajar, se o radical viaj- for seguido de e, como no presente do conjuntivo/subjuntivo em «Viaje com segurança».
Quanto ao segundo ponto focado na pergunta, e pegando nas dificuldades que a consulente diz sentir, não me cabe a mim, nem me é permitido, fazer um diagnóstico. Apenas posso dar alguma informação sobre as dificuldades na leitura e na escrita (como a dislexia e a disgrafia), sobre bibliografia e sobre alguns sítios da Internet que me parecem idóneos.
Limitando-me à dislexia e à disgrafia, comecemos pela origem das palavras, formadas a partir da associação de elementos gregos: ‘dys’, «difícil» + ‘lexia’, «leitura», e ‘graphia’, «escrita». A respeito da sua definição, a perspectiva mais consensual na actualidade é de que a dislexia e a disgrafia correspondem a uma dificuldade em processar e reproduzir informação ligada ao reconhecimento das letras, dos sons e das relações entre ambos.
A dislexia e a disgrafia não são as únicas perturbações registadas ao nível da aprendizagem da leitura e da escrita; outras há que também estão a ser investigadas e requerem um acompanhamento muito estreito quer de crianças, quer de adultos com este problema.
De qualquer modo, e só para exemplificar, uma pessoa com dislexia/disgrafia pode achar difícil distinguir na escrita um t de um d, por exemplo, dado que os sons a que estas letras correspondem têm uma articulação muito semelhante, residindo a diferença em o primeiro ser uma consoante oclusiva dental surda, e o segundo, uma consoante também oclusiva dental mas sonora. A confusão entre as formas das letras também pode surgir: é frequente confundir-se p com b, justamente porque são letras que só diferem na direcção da “perninha” (para baixo no p, para cima no b).
Quanto a bibliografia, indico para já duas obras:
São Luís Castro e Inês Gomes, 2000. Dificuldades de Aprendizagem da Língua Materna, Lisboa: Universidade Aberta (tem informação sobre diferentes tipos de dificuldades na leitura e na escrita, com glossário e índice temático)
Helena Serra e Augusta Correia, 2005. Cadernos de Reeducação Pedagógica – Dislexia 4, Porto: Porto Editora (contém exercícios para alunos do ensino secundário)
Mesmo que a dificuldade da consulente não seja nem a dislexia, nem a disgrafia, aconselho-a ainda a procurar ajuda junto da Associação Portuguesa de Dislexia, a qual julgo poder orientá-la na despistagem desse problema. Igualmente úteis me parecem a informação dispensada pelo Portal da Dislexia, bem como a consulta do sítio da Associação Brasileira de Dislexia.