Nos casos em apreço, a literatura não tem diferenciado a classe nem a função da forma o, associada ao possessivo meu, em casos como o das duas frases. Normalmente, considera-se que esse o é um artigo definido, quer acompanhe um pronome possessivo («o meu») quer se junte a um adjectivo numa construção elíptica («estou a usar o casaco velho, porque não encontro o novo», onde «o novo» = «o casaco novo»).
Penso que as ilações retiradas pelo consulente derivam da constatação de uma propriedade que é comum a demonstrativos como esse e aos possessivos: a função deíctica. O valor deíctico de esse, o e meu remete para as coordenadas espaciais de uma situação de comunicação — como é o caso dos demonstrativos — ou para os intervenientes nessa situação — marcados pelos pronomes eu e tu e pelos respectivos possessivos.
Quanto a meu, pronome possessivo substantivo (em Portugal, pronome possessivo), e meu, pronome adjectivo possessivo (em Portugal, determinante possessivo), trata-se de uma distinção da gramática tradicional (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, págs. 277 e 319). Deste ponto de vista tradicional, encara-se o o associado ao possessivo meramente como artigo definido (cf. Paul Teyssier, Manual de Língua Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pág. 134/135).
Noutra perspectiva, M.ª Helena Mateus et al., na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003: 353), propõem que os casos de pronome possessivo substantivo sejam analisados como construções elípticas, nas quais «[...] podem surgir outros determinantes e quantificadores, complementos ou modificadores» (ibidem). Mas estas construções só são possíveis quando são observadas certas condições sobre a legitimação e identificação do nome que é omitido (neste tipo de análise, denominado «categoria vazia»):
«[...] [P]or um lado, nem todos os determinantes admitem elipse nominal (veja-se o caso dos artigos definidos); por outro lado, o conteúdo da categoria vazia tem de ser recuperado pelo contexto linguístico ou situacional. Uma das configurações em que a elipse opera é precisamente na coordenação e na comparação, em que a simetria da construção permite identificar o conteúdo do nome nulo, como em (67):
(67) (a) Estes meus sapatos e esses teus [-] estão precisar de limpeza.
(b) Esses [-] tacão ficam melhor do que aqueles [-] que têm sola de borracha.»
Quanto às hipóteses formuladas pelo consulente, a 1a) corresponde à análise de Mateus et al. (op. cit.). A 1b) não parece explorada nas obras consultadas, nem nas de cariz tradicional nem na baseada em investigação linguística recente. Finalmente, a hipótese 2 encontra apoio na perspectiva tradicional, desde que generalizada ao uso do pronome possessivo adjectivo, uma vez que, como se viu, os possessivos, pronomes substantivos ou adjectivos, se usam com artigo definido. Com tudo isto não quero dizer que são de rejeitar as hipóteses formuladas pelo consulente, podendo eventualmente ser frutuosas num tipo de análise não tradicional. Por isso, recomendo a leitura dos seguintes artigos:
Matilde Miguel, "O Estatuto Categorial dos Possessivos: Possessivos e Adjectivos", in Actas Comemorativas dos 25 Anos do Centro de Linguística da Universidade do Porto, Porto, Centro de Linguística da Universidade do Porto, 2002, págs. 191-202;
Ana Castro, 2006. "Possessivos e artigo definido expletivo em PE e PB", Veredas, vol. 10, n.os 1 e 2.