Entre nós, é bastante frequente a locução latina vox populi (literalmente, «a voz do povo»), que até deu nome a uma fundação. Quem nunca ouviu ou leu expressões como «segundo a vox populi...», «é vox populi que...» ou «diz a vox populi que...»? No entanto, nem toda a gente sabe que esta locução, ao que tudo indica, deriva do provérbio latino vox populi, vox Dei, que quer dizer «a voz do povo (é) a voz de Deus».
A origem deste provérbio latino perde-se na memória dos tempos. Houve quem atribuísse a sua autoria ao historiador inglês Guilherme de Malmesbury (c. 1080/1095-c. 1143), mas a verdade é que já aparece numa carta que o monge beneditino anglo-saxão Alcuíno de Iorque (c. 735-804) enviou a Carlos Magno (742-814) em 798. É bem provável que seja muito anterior a esta data. Refira-se, a talhe de foice, que em latim existia igualmente a expressão vox vulgi (literalmente, «a voz do vulgo»), que provavelmente se distinguirá da anterior consoante o matiz que separa populus de vulgus: de acordo com Brunswich (Diccionario de Synonymos Latinos, 1893, p. 266), «Populus comprehende a todos os cidadãos», enquanto «Vulgus é a parte do povo mais ignorante e mais credulo».
Seja como for, importa igualmente considerar o significado que se imprime às expressões latinas na língua de destino. No caso presente, parece-me que a locução latina corresponde genuinamente à locução lusa «voz corrente», pelo que dizer «é vox populi que...» equivale a dizer «é voz corrente que...». Isso mesmo parece confirmar o Dicionário Eletrônico Houaiss, que dá a vox populi o seguinte significado: «opinião da maioria; ponto de vista consensual.»
Ora, sendo este o significado de vox populi na nossa língua, parece-me um despautério e um pretensiosismo inútil chamar-se «entrevistas vox populi» àquelas que se fazem a populares na rua, pois estas recolhem apenas a opinião individual de cada entrevistado, e não a opinião da maioria. A bem dizer, a vox populi só se pode conhecer por meio de eleições, referendos ou consultas de semelhante amplitude!
Quanto à abreviatura vox pop (em vez de vox populi), creio tratar-se de mais um modismo anglo-saxónico, que não tem qualquer sustentação histórica, tanto quanto julgo saber. É verdade que os romanos não eram nada avessos a abreviaturas e siglas, das quais, aliás, usavam e abusavam nos seus escritos. Refira-se a famosa sigla SPQR, que significava SENATVS POPVLVSQVE ROMANVS («o senado e o povo romano») e estoutra, com que iniciavam frequentemente as cartas: SVBEEQV, ou seja, SI VALES BENE EST, EGO QVOQVE VALEO («se estás bem, ainda bem, eu também estou bem»). No entanto, ao folhear a sexta edição do Dizionario di Abbreviature Latine ed Italiane, de Adriano Cappelli (Ulrico Hoepli, Milão, 1979), não encontro qualquer referência a uma eventual abreviatura vox pop. Encontro, sim, na página 512, a sigla V.P, que poderia servir para o nosso caso, e à qual o dicionário atribui vários significados, incluindo o de Vota Populi («Votos do Povo»), mas entre eles não figura o de Vox Populi...
É verdade que a moda da “abreviação” veio para durar. Basta abrirmos um jornal ao acaso para toparmos com algum texto eivado de siglas. Os telemóveis e as redes sociais são igualmente terreno fértil para a “abreviação”, que se torna quase criptográfica. Curiosamente, esta tendência redutora é acompanhada por outra, que se pode considerar diametralmente oposta, pois consiste em dizer com uma profusão de termos o que se pode expressar com um único e singelo vocábulo. Por exemplo, uma escola é um «estabelecimento de ensino», na qual se ministram «unidades curriculares» em vez de «disciplinas» ou «cadeiras»; uma prisão é um «estabelecimento prisional»; uma loja é um «estabelecimento comercial», onde os vendedores são «técnicos comerciais»; uma oportunidade é uma «janela de oportunidade», etc.
Em suma, às entrevistas feitas a populares na rua eu nunca chamaria «entrevistas vox populi» (e muito menos vox pop) pelos motivos apontados. A abreviatura, neste caso, tem o defeito acrescido de eliminar a desinência do genitivo, que marca a relação existente entre os dois substantivos, tornando a locução vaga e desprovida de qualquer sentido.