A hipálage é a figura de estilo ou recurso estilístico que se destaca neste excerto de Memorial do Convento, uma vez que o narrador atribui às mãos as particularidades, as qualidades e as características próprias de cada uma das personagens aí presentes: a mão de Baltasar, que é «o cego» [evidenciando o facto de, como par de Blimunda, ser ele quem não tem o dom de ver o que não é visível à vista desarmada, poder único da sua companheira], distingue-se da «mão eclesiástica» (como membro de um elemento da Igreja) do padre Bartolomeu Lourenço, assim como da «mão exacta» [porque a exactidão é requisito fundamental para a arte de retirar os sons certos de um instrumento musical] do músico Sacarlatti e, também, da «mão discreta» de Blimunda (pois esta destaca-se precisamente por não querer sobressair, por procurar passar despercebida perante os outros).
Mas não podemos esquecer-nos, também, do recurso à dupla adjectivação com que o narrador procurar completar o quadro destas personagens, pois se com o primeiro adjectivo caracteriza a realidade social e/ou profissional, com o segundo adjectivo passa-nos a sua imagem física: a mão «cascosa» de Baltasar (comparando-a, de imediato, com o tronco áspero da oliveira) para melhor representar a rudeza da mão de Baltasar; a mão «macia» do padre (porque foi poupada aos trabalhos duros); a mão «maltratada» de Blimunda, habituada às tarefas domésticas e a outros trabalhos que requerem força. Com estes outros adjectivos, é-nos passada a ideia da vida e do tipo de trabalhos de cada uma dessas personagens, denunciando cada uma das mãos as suas realidades.