1. A questão apresentada insere-se no âmbito do princípio da cortesia (também chamado de princípio da delicadeza ou da polidez), através do qual os falantes usam determinadas fórmulas ou estratégias linguísticas no sentido de minimizar o efeito descortês provocado por certos atos ilocutórios, nomeadamente os diretivos, como as ordens ou os pedidos.
2. A utilização de formas verbais tanto no pretérito imperfeito como no futuro do pretérito (condicional) é apontada como um dos recursos possíveis para atenuar os aspetos negativos dos pedidos ou das ordens em língua portuguesa (cf. Gramática da Língua Portuguesa, de Maria Helena M. Mateus et al.; Gramática da Língua Portuguesa, de Mário Vilela; Introdução à Linguística Geral e Portuguesa, de Isabel H. Faria et al. (orgs.); Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra).
3. Devo acrescentar que, depois de uma pesquisa complementar de textos em linha, apesar de ambos serem admitidos em ambas as variedades, fica a sensação de que o uso do pretérito imperfeito é mais comum no português europeu, enquanto o condicional é mais frequente no português do Brasil.
4. Quanto ao verbo querer, não foi fácil encontrar referências ou exemplos que incluíssem especificamente este verbo conjugado no condicional, no entanto, na gramática de Vilela, entre alguns exemplos de processos indiretos de realização de pedidos, encontramos: «Eu quereria/queria falar com o chefe.»
5. Assim sendo, respondendo muito concretamente à pergunta da consulente, também poderemos considerar normativamente correta a solicitação «Eu quereria falar consigo». Isto não significa, porém, que o resultado não possa ser notado como mais ou menos estranho, dependendo da sensibilidade linguística dos falantes, o que merece uma curta reflexão.
De facto, uma frase como «Eu quereria falar com você» (em Portugal, «Eu quereria falar consigo») para formular um pedido parece levantar dúvidas de aceitação, o que se comprova pela tendência dos falantes em usar nesta situação o imperfeito de cortesia («Eu queria falar consigo»), ao passo que não hesitarão em usar o condicional para dizer «Eu gostaria de falar consigo». Apresento duas possíveis linhas de raciocínio, que poderão ajudar a explicar este facto mas que são apenas conjeturais.
A. A nível semântico:
O uso de condicional em pedidos é interpretado como expressão de delicadeza porque, formalmente, o que acontece é a expressão de um desejo, cuja satisfação fica dependente da vontade ou da disponibilidade do interlocutor ou de outros fatores. É o contexto que atribui o valor de pedido a uma frase como «Eu gostaria de falar consigo», que, apesar de ser interpretada como algo próximo de «Fale comigo» ou «Reserve algum do seu tempo para falar comigo», tem um efeito bastante mais delicado. Através do uso do condicional, fica subentendida uma outra oração, que faz depender de outros fatores a satisfação do pedido do locutor: «Eu gostaria de falar consigo (se fosse possível/se você quisesse/se você tivesse tempo…).» Neste caso, a delicadeza resulta do valor semântico do condicional.
No entanto, quer advenha do seu original valor temporal e aspetual, que acaba por resultar num efeito de distanciamento entre o locutor e interlocutor (veja, aqui, no Ciberdúvidas, Imperfeito e condicional de cortesia), quer seja resultado da tendência para funcionar como substituto do condicional, como acontece em diversos outros contextos, o valor pragmático de cortesia do pretérito imperfeito só parece ser possível através do afastamento relativamente ao seu valor semântico original, assumindo-se mais como uma convenção social.
Observe-se os seguintes exemplos, em que (?) marca dúvida/estranheza na aceitação da frase enquanto pedido.
– «Eu queria falar consigo, por favor.»/(?) «Eu quereria falar consigo, por favor.»
– «Eu gostava de falar consigo, por favor.»/«Eu gostaria de falar consigo, por favor.»
Querer, neste caso, e diferentemente do exemplo dado pela consulente («Se eu pudesse querer alguma coisa, quereria viajar»), não está dependente de qualquer condição, sendo possível formular a frase como um facto, no presente, o que continua a resultar num pedido, embora menos delicado: «Eu quero falar consigo, por favor.» Já gostar, neste caso, está dependente da satisfação do pedido implícito, não sendo possível usar o presente para formular a frase de modo a ser interpretada como pedido: «*Eu gosto de falar consigo, por favor.»
Assim, num pedido, aceitando-se esta linha de raciocínio, o uso de condicional parece continuar a depender do seu valor original, sendo aceite naturalmente em frases que contêm, implícita ou explicitamente, um nexo de condicionalidade e causando alguma estranheza em frases em que tal não acontece. Já o uso do imperfeito parece ser imune a estes condicionalismos semânticos.
B. A nível fonético:
Quando falamos, não só observamos o princípio da economia como somos sensíveis a uma lei do menor esforço, o que faz com que tenhamos tendência para simplificar a realização fonética das palavras, eliminando sons ou sequências de sons iguais ou semelhantes. Este fenómeno, ao qual se dá o nome de haplologia, um tipo específico de síncope, é responsável pela queda de sílabas em casos consagrados como feminismo (que deveria ser “femininismo”) ou em casos ainda não consagrados mas muito frequentes como "competividade" (corruptela de competitividade).
Nesta linha de raciocínio, a tendência para usar queria em vez de quereria pode ter-se generalizado devido à eliminação por haplologia da segunda sílaba. Ao fim de algum tempo ouvindo sempre a forma mais curta, os falantes começam a sentir como estranha a realização fonética da forma mais longa.
Cf. Queria? Já Não Quer? Mitos e Disparates da Língua Portuguesa