Não teremos dúvidas da presença da proposopeia1 em «as borboletas [...] dançavam», se tivermos em conta que prosopopeia [«do grego propsopopóia, "personificação, pelo latim prosopopeia- (Sebastião Cherubim, Dicionário de Figuras da Linguagem, São Paulo, Pioneira, 1989, pp. 55-56)] se trata de uma figura de pensamento dentro das figuras de expressividade cujo «processo consiste em atribuir vida, ou qualidades humanas, a seres inanimados, irracionais ou mortos» (João David Pinto Correia, «A expressividade na fala e na escrita», in Falar melhor, Escrever melhor, Lisboa, Selecções do Reader´s Digest, 1991, p. 499), uma vez que é atribuída a um ser irracional — as borboletas — a qualidade/capacidade humana de dançar.
De qualquer modo, para além da possibilidade da prosopopeia, não há dúvida de que há nesses versos a presença da metáfora, uma vez que o sujeito poético faz a fusão de duas realidades — a do voo (das borboletas) e a da dança — que se assemelham (movimento harmonioso das asas e leveza do voo = movimento harmonioso dos corpos e leveza da dança), sem colocar o termo de ligação/comparação como (o voo das borboletas era como uma dança, como se dançassem), sugerindo a imagem de um bailar natural e aprazível (sem música). A evocação sugestiva das sensações - «sem voz» (auditiva, por contraste) e «veludosamente» (táctil) - poder-nos-ão levar a afirmar que nesses versos se insinuam, também, marcas de sinestesia.
1 No entanto, se nos basearmos na perspetiva do E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia, e do Dicionário de Figuras da Linguagem (ob. cit.) sobre o conceito de proposopeia — citando Mário Ferreira dos Santos, Curso de Oratória e Retórica, Logos, São Paulo, 1958, p. 49 — como «figura de ornamento que consiste em dar vida e palavra às coisas inanimadas, aos seres abstractos, aos ausentes, aos mortos.” ou, ainda, como «figura que consiste em emprestar vida aos seres inanimados, fictícios, ausentes ou mortos» (Sebastião Cherubim, ob. cit.), apercebemo-nos de que estes autores não consideram que o exemplo apresentado seja um caso de proposopeia, uma vez que as borboletas não são seres inanimados nem abstratos.