DÚVIDAS

O verbo na interrogativa direta

Segundo Cândido de Figueiredo, excelente autor português, cujas lições ainda são bastante proveitosas, o verbo das orações interrogativas diretas tem sempre de anteceder o sujeito. Exemplo: «Como pode o homem sublimar a força da libido?» A construção «Como o homem pode sublimar a força da libido?» não teria nenhum apoio nos ensinos do conspícuo mestre lusitano. Se não estou equivocado, ele afirmava que constituía erro colocar o verbo depois do sujeito nas interrogativas diretas. Em minha humílima condição de estudioso da língua portuguesa, concordo com a doutrina dele. Creio que essa é a melhor posição para o verbo nessas construções. Qual é a opinião do Ciberdúvidas? Nas interrogativas diretas, é errado deixar o verbo depois do sujeito?

Muito grato!

Resposta

O consulente não dá referência da obra que refere, nem eu pude localizá-la. De qualquer modo, o que o gramático português Cândido de Figueiredo enunciou, numa perspetiva prescritivista, sobre a ordem frásica em frase interrogativa é confirmado pela descrição do uso vigente do português europeu em gramáticas mais recentes — e também por dados do português do Brasil, mas neste caso a par da aceitação do seu caráter opcional.

Por exemplo, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, Celso Cunha e Lindley Cintra afirmam (1984, pág. 163):

«A inversão VERBO + SUJEITO verifica-se em geral:

a) na orações interrogativas:

Que fazes tu de grande e bom, contudo?

(Antero de Quental, SC, 64.)

Onde está a estrela da manhã?

(Manuel Bandeira, PP, I, 233.)»;

Contudo, há exceções a este uso, conforme se assinala na Gramática da Língua Portuguesa de M.ª Helena Mira Mateus et al. (2003, pág. 471):

«São gramaticais as interrogativas com constituintes [...] nominais, adverbiais ou quantificadores isolados (que, o que, onde, quando, como, qual), pouco informativos, "não dicursivamente ligados", em posição inicial quando o sujeito [...] [,] realizado lexicalmente, aparece em posição pós-verbal [«(O) que estiveste tu a fazer»; «Onde trabalha a Maria?»; «O que leu a Maria?»].

Quando os constituintes interrogativos são formados por especificador ou quantificador interrogativo e por um N [= nome] realizado lexicalmente (que + N, qual + N, quanto + N), isto é, quando têm uma estrutura mais "pesada", mais complexa, mais informativa ("discursivamente ligados"), a alteração da ordem de palavras não é obrigatória para a maioria dos falantes do português europeu, embora para alguns os exemplos sem inversão continuem a ser marginais [«Quantos livros Maria leu?»/«Quantos livros leu a Maria?»].

Por outro lado, nas interrogativas com é que, o SN sujeito pode ocupar a posição pré ou pós-verbal:

[...] Onde é que a Maria trabalha?

[...] Onde é que trabalha a Maria?»

Contudo, em relação ao português do Brasil, a inversão parece ser opcional mesmo com constituintes interrogativos "leves", conforme se depreende do que diz Evanildo Bechara na Moderna Gramática Portuguesa (2002, pág. 585):

«Nas interrogações introduzidas por pronomes e advérbios (quem, que, o que, quanto, qual, como, quando, onde, por que), o verbo vem em geral antes do sujeito, desde que este não seja o pronome interrogativo:

Quem veio aqui? (quem sujeito)

De quem falava você quando chegamos?

Como foi ele passar nessa encrenca?

Usa-se, ainda, neste caso, sujeito antes do verbo ou a palavra interrogativa no fim da oração:

De quem você falava?

Ele comprou o quê?»

Um dos exemplos de Bechara sobre a ausência de inversão de sujeito poderia ser interpretado como resultante da ocorrência de um constituinte interrogativo "pesado" (recorrendo à terminologia de Mateus et al., op.cit.), uma vez que «de quem» inclui uma preposição além do pronome interrogativo. No entanto, Bechara nada acrescenta que permita essa inferência, pelo que o passo citado se presta a ser interpretado como a possibilidade de generalizar-se, sem que isso constitua um erro, a construção sem inversão de sujeito em contexto interrogativo, quando se trata do português do Brasil.

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