Uma vez que o consulente se baseia no valor do verbo coincidir como argumento para defender a sua posição de que está correta a opção A da pergunta 1.1. do Grupo II da versão 2 da Prova Escrita de Português de Exame Nacional do Ensino Secundário, não podemos deixar de analisar a respetiva etimologia e valor.
Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, coincidir deriva «do latim escolástico coincidĕre, à letra: "cair juntamente"», provavelmente pelo francês coïncider.»
Por outro lado, o Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa (1964), de Silveira Bueno, indica que o verbo coincidir, «do latim medieval coincidere, de co+incidere» teve, na sua formação (ainda na do termo latino), o elemento co-1, o que explica os significados que lhe são atribuídos «encontrar, ser idêntico em tamanho, acontecer».
Por sua vez, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa (2010), da Porto Editora, aponta os seguintes significados a coincidir: «ajustar-se exatamente; acontecer ao mesmo tempo; concordar».
Ora, se atentarmos nas frases que são objeto de análise — «11. As leituras críticas da obra Peregrinação coincidem no que diz respeito: (A) à repreensão de que o autor é alvo por apresentar acontecimentos falsos» — e as relacionarmos com o facto de o verbo coincidir significar «concordar», «ajustar-se exatamente» ou «ser idêntico», aperceber-nos-emos de que a própria autora do texto não concorda com a leitura crítica de «repreensão de que é alvo por apresentar acontecimentos falsos». O texto revela que as várias leituras críticas sobre a obra Peregrinação não são coincidentes, o que é evidenciado logo no primeiro parágrafo, onde se diz «Não é por acaso que a sua leitura crítica tem sido controversa, às vezes desabrida, ora admoestando o autor pelas suas fantasias e mentiras, ora vindo em sua defesa com provas provadas de que aquilo que nos confia foi realmente visto e vivido, pese embora o excesso de aventuras.».
Repare-se que, para que essa opção fosse correta, não poderia haver dúvidas em relação à assertividade da frase. Ora, se umas leituras críticas admoestam o autor e outras vêm em sua defesa, não há dúvida de que não há coincidência em relação à atitude (de repreensão) para com o autor de Peregrinação.
1 Sobre co- (do latim cum, "com"), importa acrescentar-se os dados fornecidos pelo Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. «elemento de composição indicativo das ideias de reunião, adjunção, companhia; encontra-se em palavras derivadas do latim (coleção, conferir) e noutras de formação moderna, geralmente de caráter culto (coeficiente, concidadão, compatriota, corresponder, etc.); «a noção de companhia e as alterações de sentido por que passou a preposição com refletem-se necessariamente no mesmo vocábulo usado como prefixo. Entretanto, nem sempre é possível fazer a análise sem recorrer ao latim. em muitos dos antigos compostos, como comercio, considerar, conservar, alterou-se o sentido primitivo de tal forma que hoje em nada parecem diferir de outras palavras simples» (Said Ali, Formação de Palavras e Sintaxe do Português Histórico, p. 26).