Embora usemos, com bastante frequência, no nosso dia-a-dia, os dois termos – queixa e reclamação –, como formas de reacção, de resposta, a situações em que nos sintamos atingidos, injustamente, por actos de incorrecção, de impropriedade verbal, de abuso de poder, enfim, de todo o tipo de atitudes com as quais nos sentimos agredidos e desrespeitados, a verdade é que cada uma dessas palavras representa realidades diferentes e não deve ser utilizada arbitrariamente. E a dúvida apresentada pelo consulente deve-se, precisamente, ao facto de tanto um termo como o outro poderem ser confundidos, porque se vulgarizaram.1
Embora saibamos que se trata de termos do foro jurídico, verifiquemos, em primeiro lugar, o que nos dizem os dicionários.
Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2004), a palavra queixa, para além de «acto ou efeito de se queixar; lamúria; lamentação; motivo de ressentimento; querela», designa, também, «exposição de agravos a uma autoridade para pedir reparação», o que faz sugerir o conceito de «queixa-crime», termo do domínio do direito que, por sua vez, designa a «participação de uma ocorrência, da iniciativa de um particular, a uma autoridade policial ou judicial, o que dá origem a um processo criminal».
Por sua vez, a reclamação («do latim reclamationem, grito de desaprovação») é o «acto ou efeito de reclamar; protesto; queixa; reivindicação ou exigência. A nível do direito, designa a «impugnação da decisão junto do próprio órgão que a proferiu».
Tendo em conta estas explicações, parece-nos que o consulente tem razão em relação aos dois conceitos, pois para queixa sugere que esta se diferencie da reclamação pela «demanda a correspondente intervenção da autoridade com poder jurisdicional para que actue em conformidade».
Apesar da vulgarização do termo, a queixa parece estar associada a um conteúdo de natureza penal, mas, de acordo com o Dicionário Jurídico — Direito Civil, Direito Processual Civil e Organização Judiciária (Ana Prata, ob. cit., Lisboa, Livros de Direito/Moraes Editores, 1978), enquadra-se no domínio do processo civil, enquanto «recurso, previsto no Código de Processo de 1939, a interpor contra a decisão de não admitir um recurso ou de o admitir em termos de ele não ter efectiva utilidade». Informa-nos, ainda, este dicionário de que «este recurso foi substituído por reclamação no Código Processual Civil actual» (pp. 433-434).
Por sua vez, a noção que temos de reclamação está associada a um acto formal sobre questões de índole administrativa (de natureza pública), mas também no âmbito do direito privado (livros privados), o que pressupõe a intervenção de órgãos fiscalizadores, como, por exemplo, a ASAE.
Por outro lado, o Dicionário Jurídico (ob. cit, p. 438) dá-nos uma outra perspectiva para o valor de reclamação:
«forma de impugnação de decisões judiciais, quer estas sejam sentenças quer despachos. Reage-se reclamando contra a especificação e questionário (art.º 511.º, CPC), contra as respostas aos quesitos (art.º 653.º, CPC), como, nalguns casos, contra sentença nula, obscura, ambígua ou errada quanto a custas e multa (cfr. art.º 668.º e 669.º, CPC),»
Sem nos esquecermos da linha ténue que separa os dois termos e baseando-nos no uso, que acaba por construir o padrão, apercebemo-nos de que, enquanto se banalizou o conceito de reclamação (que, muitas vezes, surge como resultado de um impulso), tem-se um certo respeito (ou receio) quando se entra no domínio da queixa, pois, apesar de ser encarada como um direito de qualquer cidadão, implica o recurso à justiça para fazer valer as suas razões.
1 O conteúdo desta resposta teve o auxílio da jurista Teresa Ferreira da Costa.