Tem sentido usar o artigo indefinido com coma, e não se pode dizer que seja incorreto. No entanto, certas propriedades semânticas da palavra e o facto de o seu uso se sujeitar a combinatórias vocabulares fixas determinam que a interpretação de «um coma» não seja exatamente a do seu significado mais genérico.
Assim, em português, diz-se «o coma» ou «o/um estado de coma», ou, ainda, com adjetivação, «um coma profundo», mas parece menos habitual dizer-se que alguém está «num coma», só com artigo indefinido; o que vai ao encontro do juízo hesitante sobre a aceitabilidade de «eu sei o que é um coma». Neste último caso, a formulação mais corrente será «eu sei o que é o coma» ou «eu sei o que é o estado de coma», ou, ainda, «eu sei o que é um estado de coma», sobretudo se com estas frases o enunciador pretender declarar que tem a capacidade de definir ou descrever o estado de coma. Observe-se igualmente que «estar em/de coma», «entrar em coma» ou «continuar/permanecer em coma», sem artigo definido nem artigo indefinido, são expressões consagradas que parecem funcionar globalmente como unidades lexicais em que os verbos atuam como suportes do substantivo coma, evidenciado que a palavra resiste a uma determinação e até à pluralização. Com efeito, nota-se que coma associado a quantificadores numerais se interpreta como «caso de coma», como se verifica no seguinte exemplo:
1. «Nos quatro dias, foram atendidos no local 626 homens e 274 mulheres. Dois comas alcoólicos, reacções alérgicas ao bicho dos pinheiros, queimaduras solares e provocadas pelos tubos de escape, alguns traumatismos e gastroenterites foram as principais maleitas registadas naquela unidade» (Correio da Manhã, 18/07/2005).
A ocorrência em 1 contribui para reforçar o que antes se disse: pluraliza-se coma, quando se pretende denotar diferentes tipos ou casos deste estado; emprega-se o artigo indefinido como intensificação do substantivo, para sublinhar a gravidade associada ao coma, fazendo de «sei o que é um coma» o mesmo que «sei bem o que é estar de coma». Estas propriedades do substantivo coma permitem incluí-lo entre os nomes não contáveis, ou seja, entre os substantivos que «[...] que se aplicam a conjuntos de objectos ou entidades em que não é possível distinguir partes singulares de partes plurais» (Dicionário Terminológico) e que se podem exemplificar pelos casos de sono ou educação, nomes não contáveis cujas «construções de plural [...] não designam uma oposição quantitativa, mas sim qualitativa» (idem, ibidem; cf. Textos Relacionados).
Em síntese, não é incorreto empregar «um coma», desde que se lhe encontre o contexto, conforme as condições acima descritas. Já dizer simplesmente que «X está num coma»*, em lugar de «X está de coma/em coma/em estado de coma», é suscetível de resultar estranho.
* Refira-se que em inglês se usa coma, com o mesmo significado e acompanhado do artigo indefinido a: «she went into a coma» (= «ela entrou/ficou em coma»); cf. Oxford English Dictionary.