O apelido Camões é provavelmente o resultado português do atual topónimo galego Camos, nome de um lugar no concelho pontevedrês de Nigrán.
A forma portuguesa reflete de algum modo a que tinha o nome quando passou a circular em Portugal como apelido, com a vinda de Vasco Pires (ou Peres) de Camões, que por volta de 1370 saíra da Galiza para servir o rei português D. Fernando na luta contra Henrique de Trastámara, que veio a ser rei de Castela1.
No século XVII, acreditava-se que o apelido seria originário da região de Fisterra (ou Finisterra) ou de Noia, na Galiza, supondo-se que fosse uma deturpação do apelido Caamãno. Contudo, em 1956, o filólogo galego M. Fernández Rodríguez sustentou que Camões proviria do topónimo galego Camos, no sul da província de Pontevedra, hipótese que tem hoje aceitação, até pela semelhança das formas tardo-medievais do topónimo com a forma do apelido2.
Camões, hoje palavra aguda, deverá ter sido pronunciada como palavra grave, ou seja, como "cámões", conforme observa o filólogo galego Paulo Lema3:
«[...] [A] forma Camos (conc. Nigrán, P), registad[a] como Sancte Eolalie de Caamones (Poio 1228), Sancta Vaya de Camones (Tui 1325), Camoes (1447) e ainda outras variantes [...] autorizam a propor um étimo *calamŏnes, aparentado com topónimos galegos como Caamaño, Caamouco e similares. É a partir dessa forma que podemos reconstruir uma sequência evolutiva como *calamŏnes > *Caamõẽs > *Cámõẽs > *Cámõõs > *Camõs > Camos [...].»
O topónimo terá origem pré-latina, sendo analisável como a associação de dois formantes: por um lado, a sequência calam-, de significado impreciso, ainda que parcialmente identificável com o elemento cal-, «pedra», tal como se encontra sob a forma Cale em Portus Cale, donde evoluiu Portugal; por outro lado, a terminação -ŏnes constituirá um sufixo para a derivação de nomes étnicos (etnónimos). O topónimo galego Camos poderá, portanto, estar relacionado com algum grupo étnico ou familiar (em sentido alargado) da Galécia pré-romana ou mesmo romana4.
Acrescente-se que a difusão de Camões como apelido em Portugal se deve não só à descendência portuguesa de Vasco Pires de Camões mas também à popularidade do nome como alcunha de vesgos ou pessoas cegas de um olho, à semelhança do retrato do poeta que a lenda e a iconografia consagraram (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Camões podia ser ainda apodo de aficionados de versos e poemas (idem, ibidem).
Quanto à chamada maçã-camoesa (em galego, mazá camoesa), julga-se que o modificador adjetival camoesa mais não é do que o feminino – o masculino é camoês – do gentílico de Camos. Tratar-se-á, portanto, de uma casta de maçã cuja origem se atribui ao lugar de Camos.
1 Ver D. Luiz de Lancastre e Tavora, Dicionário da Famílias Portuguesas (Lisboa, Quetzal, 2010, p. 125).
2 Ver Elias Torres Feijó, "A receção de Camões na Galiza", in Dicionário de Luís de Camões, coordenado por Vítor Aguiar e Silva (Lisboa, Editorial Caminho, 2011, pp. 721/722 e 731).
3 Cf. Paulo Martínez Lema, "Toponímia e fonética histórica no domínio galego-português", Estudis Romànics [Institut d’Estudis Catalans], vol. 40, 2018, p. 28.
4 Mesmo assim, registe-se a proposta alternativa de o topónimo Camos ter evoluído do latim CALAMOS, «canas». Cf. Tesouro do Léxico Patrimonial Galego e Português, s. v. camoesa.