Antes de responder propriamente à questão, é interessante compartilhar aqui o que se encontra na p. 219 do Dicionário de Questões Vernáculas, de Napoleão M. de Almeida.
Sob o verbete "outro que não", entende o gramático ser canhestra a tradução de "other than", que costuma aparecer em jornais. Assim diz Napoleão, criticando a tradução anglicista (tratada como decalque): «Um pouco mais de respeito ao idioma da terra fará descobrir o redator a que corresponde o inglês... e o não deixará confundir os leitores em outras passagens: "any thing other than this” (qualquer coisa que não seja esta)... Tradução não é sinônimo nem de obediência servil nem de momice. Assim se diz em português: O apito dos guardas de trânsito outra coisa não é senão índice de atraso, de indisciplina, de falta de educação social e de desrespeito a leis» (grifos meus), e acrescento: ou «não é outra coisa senão».
Curioso é que o gramático Evanildo Bechara, em sua própria redação, usa construções sintáticas semelhantes em alguns trechos de sua gramática, como no capítulo de preposição («Não exerce nenhum outro papel que não seja ser índice da função gramatical de termo que ela introduz») e no capítulo de orações subordinadas adjetivas («Em geral, o adjetivo anteposto [também chamado epíteto] traduz, por parte da perspectiva do falante, valor explicativo ou descritivo: a triste vida. Aqui o adjetivo não designa nenhum tipo de vida que se oponha a outro que não seja triste;...»).
De todo modo, se desconsiderarmos ser isto um decalque (ou não) e nos centrarmos apenas na análise gramatical da estrutura trazida pelo consulente («Não estuda outra coisa que geografia»), compreenderemos que tal construção condensada equivale a «Não estuda outra coisa que não seja geografia».
Assim, entende-se que a análise* correta do que seja a de pronome relativo:
– Não estuda outra coisa: oração principal
– que não seja geografia: oração subordinada adjetiva restritiva
Note que, pragmaticamente, o que se quer dizer é que a pessoa só estuda geografia, e não outra coisa; mas, para dizer isso, o falante vale-se de um torneio sintático aparentemente inusual (talvez um decalque em sua origem, como aponta Napoleão), no qual o «que» retoma «outra coisa», como se a construção final (Não estuda outra coisa que não seja geografia) fosse a combinação de duas orações: «Não estuda outra coisa» e «A outra coisa (estudada) não é geografia». Ou seja, para dizer que só se estuda geografia, criou-se uma estrutura sintática que nega o estudo de outras disciplinas que não são a geografia.
Sempre às ordens!
*Por ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical do Brasil.