DÚVIDAS

«Lembrar/aperceber-se de» + completiva

Ultimamente, tenho-me deparado com algumas dúvidas no que à regência verbal diz respeito. Já consultei as vossas respostas neste âmbito, mas não consigo esclarecer o que me intriga.

Por exemplo, nas frases:

«Lembra-te de mim» ou «Eu lembro-me do Pedro, meu colega da primária», é certo que aqui a forma verbal está regida pela preposição de. No entanto, quando o verbo introduz uma oração completiva, esta preposição deve ou não estar presente? Isto é, seria correto dizermos: «Lembra-te que acordar cedo faz bem e faz crescer», ou «Lembra-te de que acordar cedo faz bem e faz crescer»?

Dúvida semelhante surge em relação a outros verbos: «Eu já me apercebi do meu erro» e «Devemos aperceber-nos (de) que ninguém é perfeito».

Agradecia que me pudessem esclarecer relativamente a este assunto, para o qual não encontrei, até agora, nenhuma resposta.

Resposta

Julgo que, na linha do que acontece, por exemplo, com o verbo gostar, a preposição de, em contextos similares aos avançados aqui pela consulente, deverá ser lexicalizada (o asterisco significa agramaticalidade do enunciado):

1. «As recordações de infância de que eu mais gosto remontam à aldeia dos meus avós»;

2. *«As recordações de infância que eu mais gosto remontam à aldeia dos meus avós»;

3. «Os momentos de infância de que eu me lembro melhor remontam à aldeia dos meus avós»;

4. *«Os momentos de infância que eu me lembro melhor remontam à aldeia dos meus avós».

No que diz respeito mais concretamente às orações completivas, creio que o raciocínio não deverá divergir muito do proposto. Aliás, Mateus e outros, por exemplo, na Gramática da Língua Portuguesa, p. 615, notam claramente o seguinte: «As preposições que antecedem mais frequentemente completivas são a (com verbos como arriscar-se, atender, conduzir, dever-se, habituar-se, levar, limitar-se, opor-se, recusar-se, resistir), de (com verbos como aperceber-se, arrepender-se, avisar (alguém), convencer-se, discordar, envergonhar-se, esquecer-se, lembrar-se, provir, recordar-se), em (com verbos como apoiar-se, assentar, estar, basear-se, concordar, consentir, insistir, residir) e por (com verbos como bater-se, culpar (alguém), esforçar-se, interessar-se, lutar, pugnar, responsabilizar-se, velar, zelar): [...] Os miúdos lembram-se de que os pais lhes prometeram uma bicicleta

Saliente-se, contudo, que, na perspetiva mais tradicionalista, por assim dizer, de Cintra e Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 525, admite-se que, «quando o objeto indireto vem expresso por uma oração desenvolvida, a preposição depode faltar: Lembro-me que certa vez juntei uma porção de artigos médicos sobre o assunto. (Rubem Braga); Lembrou-se que teria de passar junto de três ou quatro casas conhecidas. (Fernando Namora)».

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