A pergunta que apresenta vai um pouco além do âmbito do Ciberdúvidas, mas fica uma possível explicação.
A expressão é anterior à conceptualização do mundo como tendo cinco continentes (na verdade, 6 – Ásia, África, América, Antártida, Europa e Austrália – ou mesmo 7, se dividirmos a América em duas partes). É possível encontrar essa expressão em textos contemporâneos à descoberta do Novo Mundo (as Américas), altura em que apenas 4 continentes eram conhecidos.
Mas, na verdade, já a versão latina da Bíblia, a Vulgata escrita por S. Jerónimo no século IV, apresentava essa noção dos quatro cantos (ou ângulos) da Terra no livro do Apocalipse: «Post haec vidi quattuor angelos stantes super quattuor angulos terrae tenentes quattuor ventos terrae ne flaret ventus super terram [...]» (Apocalipse, 7:1). Na tradução da Edição Pastoral (revisão literária do padre João Gomes Filipe), temos a seguinte tradução: «Depois disto vi quatro Anjos, um em cada canto da Terra. Eles seguravam os quatro ventos da Terra. Assim, o vento não podia soprar na Terra, nem no mar, nem nas árvores.»1
Seria necessário um trabalho de exegese para determinar se os quatro ventos da tradução de S. Jerónimo estão nos originais hebraicos e gregos e qual o sentido que tomam. Mas, sem aprofundar muito, podemos considerar, talvez sem grande margem de erro, que os quatro ventos da Vulgata seriam os quatro ventos latinos Bóreas (norte), Noto ou Austro (sul), Zéfiro (oeste) e Eurus ou Vulturnus (leste), pelo que a expressão «os quatro cantos do mundo» remeterá para os pontos cardeais, e não para os continentes.
1 Infelizmente, não foi possível consultar a tradução Boa Nova, concluída em 1993 por uma equipa de filólogos, entre os quais João Soares de Carvalho e José Augusto Ramos, feita diretamente para o português a partir do hebraico e do grego.