DÚVIDAS

Etimologia, homonímia e polissemia de banco

O vocábulo banco pode ter várias acepções em português. As mais comuns são as que designam uma peça de mobiliário e uma instituição financeira. Mas também temos «banco de urgências», «banco de sangue», «banco de dados». Talvez as duas últimas estejam próximas de banco como instituição financeira, na medida em que se trata, nos três casos, de locais onde se guardam depósitos. Mas como explicar que banco de sentar e banco de depositar tenham a mesma grafia? São palavras homónimas, ou trata-se de uma única palavra polissémica? Penso que uma resposta adequada dependeria de uma análise histórico-etimológica. Por outro lado, não fiquei convencido com uma explicação segundo a qual os antigos cambistas se sentavam em bancos na rua, pelo que a palavra se teria mantido quando passaram a operar dentro de portas. É um simplismo que deixa por explicar, por exemplo, a razão pela qual a palavra banco, na acepção de «instituição financeira», é comum a várias línguas.

Poderão fazer alguma luz sobre o assunto, em especial quanto à origem etimológica do(s) vocábulo(s) e à qualificação do caso como polissemia ou homonímia?

Antecipadamente grato!

Resposta

O banco de sentar e o banco da actividade financeira parecem ter étimos muito próximos, de tal maneira, que acabam por se confundir num étimo mais recuado ainda. O banco-«assento», tem origem no frâncico, língua germânica donde evoluiu o neerlandês e que influenciou profundamente o romance do Norte da antiga Gália, donde proviria, mais tarde, entre vários dialectos, o que deu origem ao francês. Sobre o radical banc-, o Dicionário Houaiss indica que se trata de:

«antepositivo, do frânc[ico] *bank, "banco fixado à parede ao longo de uma sala ou de um quarto", pelo latim vulgar; observe-se que, com a ac[e]p[ção] de "assento", banco é das orig[ens] do vern[áculo], enquanto, com as de "acidente geográfico" e "estabelecimento bancário", se documenta já no sXV.»

A nota etimológica relativa à entrada banco é mais pormenorizada sobre a história das várias acepções de banco:

«frânc[ico] *bank, "banco fixado à parede ao longo de uma sala ou de um quarto"; ac[e]p[ção] "estabelecimento bancário" e "acidente geográfico" provêm do it[aliano] banca (1340), que, segundo Corominas, foi inicialmente empregado com o sentido de "tenda para vender mercadorias" [...] f[ormas] hist[óricas] sXI bancos "assento", 1446 bamco "estabelecimento bancário", sXV banco "acidente geográfico"»

O Dicionário Houaiss pressupõe, portanto, que a relação entre banco-«assento» e banco-«entidade bancária» é uma questão de polissemia. No entanto, é provável que a forma banco, «entidade bancária», seja historicamente um homónimo de banco, «assento». Nesta perspectiva, o banco da actividade financeira  provém do italiano banca, também de origem germânica, não por via do frâncico mas mediante o lombardo, língua germânica transplantada para o Norte da Itália no século V d. C. Com efeito, lê-se o seguinte no Dizionario Etimologico (2003) da Ruscono Libri:

«[banca] do lombardo bank (= banco). Na origem, lugar ou bancada onde se fazia o pagamento dos soldados; depois lugar onde se cambiava o dinheiro (uma bancada ou mesa sobre a qual se dispunha o dinheiro.»1

Parece-me, pois, plausível que a relação de banco-«assento» e banco-«entidade bancária» se deve encarar diacronicamente mais como homonímia do que polissemia entre dois itens lexicais distintos que apresentavam um mesmo radical germânico (eram cognatos), transmitido por diferentes línguas germânicas e românicas.2 Note-se que banco-«assento e banco-«entidade bancária» não têm, em francês, a mesma forma, o que testemunha a sua diferente etimologia: banc («assento») e banque («entidade bancária»).

1 Tradução livre do seguinte original em italiano: «[banca] dal langobardo bank (= panca). In origine luogo o panca in cui si dava la paga ai soldati; poi luogo in cui si cambiav il denaro (una panca o tavola su cui si diponeva il denaro) [...].»

2 A não ser que se considere que entre os dois itens com a forma banco há, no fundo, a mesma origem etimológica: um radical *bank- do protogermânico ocidental, do qual depois se desenvolveram o frâncico e o lombardo. Nesse caso, voltaríamos a considerar o contraste entre banco-«assento» e banco-«entidade bancária» como resultado da polissemia, numa perspectiva histórica.

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