Existe, com efeito, uma ligeira diferença entre as palavras escravo e escravizado, o que poderá ditar a preferência por uma ou outra forma.
O dicionário Priberam propõe, para a palavra escravo, o seguinte significado: «Indivíduo que foi destituído da sua liberdade e que vive em absoluta sujeição a alguém que o trata como um bem explorável e negociável. = CATIVO». Já a Infopédia refere: «(sobretudo no passado) pessoa privada de liberdade que, por ser legalmente considerada propriedade de outrem, a quem está sujeito, não tem direitos cívicos».
Deste breve levantamento, poderemos concluir que ambas as significações propostas partem da noção de situação resultante de uma ação desenvolvida no sentido de privar alguém da sua liberdade, ou seja, colocam a tónica no resultado da ação.
No que respeita a palavra escravizado, tanto o dicionário Priberam como a Infopédia a descrevem como forma de particípio passado do verbo escravizar, que, por seu turno, significa “reduzir à condição de escravo”. Sendo uma forma participial, escravizado poderá aparecer em formas compostas do verbo (1) ou na qualidade de adjetivo (2):
(1) «Ele foi escravizado à chegada ao Brasil.»
(2) «Ali estavam os homens escravizados.»
É de referir que o termo escravizado denota sobretudo o processo que implica a passagem de uma situação de liberdade para uma situação marcada pela sua ausência, enquanto o termo escravo descreve sobretudo o resultado dessa ação, como vimos acima.
Assim sendo, a opção por um ou outro termo poderá ter implicações de natureza ideológica, sendo que escravizado se adequa melhor à denuncia da ação criminosa exercida por quem privou alguém da sua libertado. Escravo já poderá ser entendido como um estado definitivo, o que não se coaduna com a ideia de que este estado é sempre não natural, se tivermos em consideração que falamos de seres humanos.
Por fim, uma busca no Corpus do Português, de Mark Davies, mostra que a palavra escravizado tem uso como adjetivo sobretudo em registos oriundos de publicações brasileiras, sendo menos frequente em publicações portuguesas, ao contrário do que se verifica com a palavra escravo, que apresenta um conjunto muito alargado de ocorrências.
Por fim, embora a palavra escravizado não tenha ainda um registo dicionarizado que a coloque no plano dos usos ao nível da palavra escravo, ou como opção preferencial, o seu uso pode ocorrer, sendo uma forma de marcar uma posição ideológica ou uma interpretação de um facto histórico. Nesta âmbito, a expressão «pessoa escravizada» poderá ser entendida como uma expressão de natureza perifrástica que procura descrever de forma mais próxima do real um dado acontecimento histórico, neste caso.
Advirta-se, porém, que escravizado não terá a capacidade de substituir escravo em todas as suas manifestações, como se verifica na relação em (3) e (4):
(3) «A empresa tinha trabalho escravo.»
(4) «*A empresa tinha trabalho escravizado.»
Disponha sempre!
*assinala a inaceitabilidade da frase.