DÚVIDAS

Eu parece-me…

É frequente ouvir-se, nos mais e nos menos bem falantes, sobretudo no começo das suas intervenções, o uso e abuso do «eu parece-me», parecendo-me a mim uma construção, no mínimo, esquisita. Não seria suficiente dizer-se «parece-me» ou, querendo realçar o sujeito da opinião, «a mim parece-me», apesar da redundância?

Resposta

Considera-se correcta esta maneira de dizer, embora não respeite as regras gramaticais. É uma figura de linguagemchamada anacoluto, do grego anakólouthos (que não é o seguimento de). Nota: O Dicionário da Porto Editora enganou-se a pôr o acento. Tem assim: «anakolóuthos».

Esta figura de estilo consiste em um termo da oração não se encontrar relacionado sintacticamente com o que se lhe segue. No caso presente, para haver essa relação, não teríamos eu, mas a mim: A mim parece, ou mesmo: A mim parece-me… Desta figura de estilo serviram-se os nossos melhores escritores, e bem conhecedores da Língua, como Luís de Camões, como vemos n'"Os Lusíadas", V, 54:

«Eu que cair não pude neste engano

(Que é grande dos amantes a cegueira)

Encheram-me com grandes abondanças o peito (…).»

Aqui, Eu não se encontra ligado sintacticamente a encheram-me.

No caso da consulta, o anacoluto serve para se dar relevo à entidade a que o sujeito (Eu) se refere.

O anacoluto é vulgar nos provérbios. Ex: «Quem se bem estreia, bom ano lhe venha».

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