É difícil ser perentório quanto à forma correta do nome em questão.
É possível que túnico esteja em lugar de púnico, mas são tantos os nomes dados à planta, que surgem dificuldades até para saber de que planta se trata realmente – pelo menos, pode ser quer a Tagetes patula1 quer a Tagetes erecta. Além disso, tem vários nomes em português2, havendo variação regional.
Apesar de tudo, uma consulta de páginas da Internet revela que cravo-túnico é a forma corrente. Pode tratar-se de facto de uma analogia com túnica, talvez mais presente no espírito do falante médio. No entanto, também se encontra a denominação cravo-de-tunes, que tanto pode ter motivado um gentílico deturpado ("túnico", em vez dos corretos tunesino ou tunisino)2, como corresponder a uma nova interpretação com base na anterior troca de púnico por "túnico".*
Registe-se, mesmo assim, uma frase retirada de um texto de João Bénard da Costa atesta o uso de cravo-púnico (manteve-se a grafia original):
(1) «O tema de Lark, vestida de arminho ou de prata, trazendo na mão um cravo púnico ou uma rosa da Pérsia.» ("As almas do outro mundo" 05/09/2003, in Público)1
Contudo, no mesmo jornal em que se encontra cravo-púnico, acha-se um artigo publicado anos mais tarde, a abordar o tema das flores comestíveis, no qual se escreve cravo-tunico, identificando com a Tagetes patula (sublinhado nosso):
(2) « Exemplo de espécies herbáceas com flores comestíveis: aboborinha (Cucurbita pepo), alegria-do-lar (Impatiens walleriana), amor-perfeito (Viola tricolor), alecrim (Rosmarinus officinalis), alfazema e rosmaninho (Lavandula spp.), borragem (Borago officinalis), calêndula (Calendula officinalis), camomila (Camomila officinalis), campânula (Campanula medium), capuchinha (Tropaeolum majus), cebolinho (Allium schoenoprasum), centáurea (Centaurea cyanus), coentro (Coriandrum sativum), cosmos (Cosmos spp.), cravo (Dianthus caryophyllus), cravinas (Dianthus plumarius), cravo-túnico (Tagetes patula), gerânio (Pelargonium hybridum), malva (Malva sylvestris), miosótis (Myosotis alpestris), petúnia (Petunia spp.), prímula (Primula vulgaris), tomilho (Thymus spp.), verbena (Verbena officinalis) e ainda flores das plantas da família brassicáceas, tais como agrião, couve-de-folhas, couve-galega, rabanete e rúcula» (Isabel de Maria Mourão, "As flores também se come", Público, 18/08/2020 ).
Em suma, mesmo que cravo-púnico possa constituir a forma original duma das designações da flor em apreço, a verdade é que, em Portugal, é comercializada e cultivada sob o nome corrente de cravo-túnico, a par de outros possíveis. Tratar-se-á, portanto, de um caso de consagração pelo uso.
1 João Domingues de Almeida ("Algumas novidades para a flora de Portugal continental", Studia Botanica, 2008, p. 199 ) observa que «[e]sta espécie sinantrópica anual, de origem norte-americana, cultivada como ornamental, tem sido observada em Portugal continental, casualmente escapada de cultura [...]»
2 Uma página dedicada à comercialização desta planta em Portugal atribui-lhe os nomes correntes de cravo-túnico e cravo-da-índia, a par doutros que classifica de populares: cravo-túnico, cravo-francês, cravo-de-defunto, craveiro-de-tunes, cravo-da-índia , cravos-espanhóis (no centro de Portugal) e cravos-xaropes ou cravos-jaropes no Minho (corrigiu-se a ortografia, dado que têm hífen os nomes compostos referentes a espécies botânica e zoológicas). O Dicionário Michaelis (Brasil) consigna cravo-de-defunto como nome popular dado a três espécies: Tagetes patula, Tagetes erecta e Tagetes lucida.
3 O Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves regista tunesino como gentílico de Tunes, capital da Tunísia, e tunisino como nome e adjetivos pátrios correspondentes ao país chamado Tunísia. O Dicionário Houaiss acolhe tunisino como gentílico de Tunes e tunisiano como denominação do cidadão da Tunísia. Importa lembrar que que a atual Tunísia foi na Antiguidade uma região intensamente colonizada pelos fenícios ou púnicos. Foi com os habitantes da antiga capital desta região, Cartago, que Roma teve um conflito prolongado conhecido como Guerras Púnicas em alusão às origens dos Cartagineses.
4 Também disponível no blogue Os Filmes da minha Vida.
* N. E. (28/05/2020) – Entretanto, foi pedido um esclarecimento ao Professor Doutor Jorge Paiva da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra, que enviou a seguinte resposta, que muito se agradece: «O cravo-túnico, ou craveiro-de-tunes, é Tagetes erecta L., muitas vezes designado por Tagetes patula L., que é um sinónimo. Portanto, o nome válido é Tagetes erecta L. A planta é nativa do México, onde até é utlizada medicinalmente e mistificada pelos índios, desde muito antes dos Descobrimentos. Como a planta tem muitas mais utilidades, foi logo extremamente espalhada; daí o ter-se, inicialmente, julgado que era nativa de África, e por isso o nome vulgar craveiro-de-tunes ou cravo-túnico. O termo cravo-púnico resulta da adulteração da palavra túnico por substituição do t, por p. Isso acontece muito com os nomes vulgares das plantas e dos animais. Por isso é que existe a nomenclatura científica que tem regras internacionais.» Agradecimentos também à Dra. Ana Marques (Escola Secundária do Pinhal Novo), que também deu pistas para a elaboração desta resposta e estabeleceu o contacto com o referido especialista.