A observação do consulente, que muito agradeço, vem, uma vez mais, comprovar que não se pode, em questões de língua portuguesa, «tocar de ouvido». Foi, na verdade, o que eu fiz e, como sempre que o faço, o resultado foi fraco.
É um facto que a maioria das gramáticas não atribui classificação específica ao primeiro membro, ou se quiser à primeira frase de uma estrutura coordenada, escudando-se na afirmação de que são coordenadas, o que, valha a verdade, não quer dizer nada pois os mesmos gramáticos dizem no caso da subordinação que as duas frases são subordinadas e isso não os coíbe de atribuir um nome específico a cada uma delas, respectivamente subordinante e subordinada.
Ora eu devo confessar que sempre me foi ensinado – e aproveito para cumprimentar os professores que o fizeram, pois a eles devo o gosto pelo estudo da língua – que havia três grandes grupos de frases:
1 – Independentes, que constituíam períodos absolutos;
2 – Coordenadas, sendo a primeira designada por principal e a segunda coordenada a que se acrescentava o nome do grupo a que pertencia a conjunção que a iniciava;
3 – Subordinadas, sendo a primeira subordinante e a segunda subordinada e adoptando também o nome do grupo a que pertencia a conjunção que a introduzia, ou contemplando outras situações como as relativas, as infinitivas etc.
Sempre que num período houvesse coordenação ou subordinação estaríamos perante um período composto.
Foi assim que aprendi e foi esta a estrutura que mantive na minha mente até que estudos mais recentes me levaram a substituir principal por coordenante. Passei a usar o segundo vocábulo e continuaria convencida de que principal designava inequivocamente o primeiro termo de uma estrutura coordenada se a sua leitura atenta, caro consulente, me não obrigasse a investigar um pouco.
Para fazer justiça aos professores que me ensinaram cito a Gramática Portuguesa de Tomás de Barros, Editora Educação Nacional de Adolfo Machado, onde, acerca da frase: «Ama a virtude e odeia o vício.», se diz:
«No primeiro período há duas orações: A primeira – Ama a virtude – é a principal; a segunda – e odeia o vício – é coordenada à principal.» p. 241
Diga-se também que, na mesma gramática, logo a seguir se chama igualmente principal à subordinante de uma outra frase complexa: «As estrelas parecem pequenas porque estão distantes.»
Esta ideia de que a principal tanto pode ligar-se a uma coordenada como a uma subordinada é veiculada também por Eduardo Pinheiro, no Caderno de Gramática Portuguesa, Editora Educação Nacional de Adolfo Machado:
«Oração ou proposição principal é aquela que, dentro dum período, encerra a ideia principal, sendo independente das outras que a ela estão coordenadas ou subordinadas» p. 129
Para ilustrar apresenta duas frases:
1 – «Pedro estuda e trabalha.»
2 – «Meu pai tinha saído, quando eu cheguei a casa.»
Perante descrições como esta, compreendo, por um lado, os professores que me ensinaram, pois havendo uma palavra para dois conceitos e tendo um deles outra designação, optaram por restringir o sentido da palavra e atribuir, dessa forma, a cada conceito uma designação. Compreendo igualmente os gramáticos mais recentes que acabaram por fazer exactamente a mesma coisa, mas em sentido inverso, deixando assim um conceito com duas designações e outro conceito sem palavra que o designasse. Outros houve, ou há, que simplesmente erradicaram a palavra principal. Ela surge, no entanto, claramente associada à subordinação no Glossário de Termos Gramaticais, de Helena Mateus Montenegro, João Azevedo Editor. Nesse mesmo glossário poderá o consulente encontrar o termo coordenante no verbete «Frase coordenante», que remete para «Frase coordenada», onde se diz:
«A caracterização das frases coordenadas como frases que não desempenham uma função de dependência entre si leva a que, geralmente, não se distingam em termos de nomenclatura uma da outra. Isto é, a maioria das gramáticas fala de frases coordenadas sem atribuir uma distinção entre coordenante e coordenada. A identificação de uma frase coordenante e de uma coordenada torna-se pertinente, se analisarmos a sua estrutura.»
Com efeito, não é completamente verdade que duas coordenadas não estabeleçam vínculos entre elas. Estabelecem, por exemplo, um vínculo de ordem. Os elementos da frase complexa «Vim, vi e venci.» não podem ter outra ordem porque a sequência temporal assim o exige. Também na frase 3 não podemos alterar a ordem dos elementos, como se vê em 4, mas podemos, no entanto, fazer essa alteração em grande número de subordinadas adverbiais, como exemplifico em 5 e 6:
3 – O João gosta de manga, mas não gosta de papaia
4 – *Mas não gosta de papaia, o João gosta de manga
5 – Vou sair, embora esteja a chover.
6 – Embora esteja a chover, vou sair.
Da mesma forma, no exemplo que o consulente dá, «(ou) Estás calado ou sais», a característica muito específica de um só dos tipos de coordenadas, não nos permite generalizar. Nem sequer nos permite colocar a hipótese de retirar a conjunção que separa (ou melhor relaciona) as duas frases simples: *Ou estás calado sais.