Relativamente ao verso transcrito em (1), julgo que será mais pertinente considerar que estamos perante um estado (aspeto lexical) com um valor aspetual gramatical perfetivo:
(1) «O que fui de serões de meia-província»
Com efeito, o poeta descreve neste verso um “eu” passado que já não corresponde ao “eu” presente, ou seja, ao seu estado atual.
No que respeita ao verso transcrito em (2), a oração subordinante, «já não sabia ter esperanças», veicula, com efeito, um valor aspetual gramatical perfetivo, uma vez que descreve uma situação apresentada como concluída:
(2) «Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.»
Não obstante, a análise aspetual deste verso será eventualmente mais rica se se considerar que em ambas as orações (subordinada e subordinante) se descrevem situações durativas em fases diferentes do seu processo: «vim a ter esperanças» é descrito com valor inceptivo (fase inicial); «já não sabia ter esperanças» é descrito com valor terminativo (fase final). Verifica-se, assim, um contraste entre duas situações que acabam por não poder coocorrer porque uma inicia quando outra já tinha terminado. Para esta interpretação é também importante considerar o valor temporal de anterioridade associado à oração subordinante.
Os valores aspetuais gramaticais associados às fases de descrição de uma situação não integram, contudo, os conteúdos gramaticais do ensino secundário, pelo que a análise proposta não poderá ter lugar em contexto não universitário. Por esta razão, a análise feita com recurso aos conhecimentos gramaticais que os alunos possuem poderá ser um pouco enviesada e incompleta do ponto de vista da interpretação do poema. Para além disso, será uma análise de alguma exigência que poderá não ser acessível aos alunos.
Disponha sempre!