«Mudar de lugar.»
Será que o verbo mudar, nesta frase, é transitivo indireto?
Transitivos são verbos de cuja grelha argumental constam, no mínimo, dois lugares (dois argumentos): um, externo, o sujeito; outro, interno, o seu complemento.
A análise sintática da frase é, pois, como segue:
Suj.: «Um pedaço de terra»; pred.: «mudou de lugar»; «de lugar»: complemento preposicionado de regência verbal (circunstancial de lugar donde). Feita esta análise, tornar-se-á mais compreensível a nossa resposta.
Considera-se, em geral, que:
– é indireta a transitividade que se realiza mediante preposição, como acontece na frase: «Um pedaço de terra mudou de lugar.»Com tais premissas, a resposta à sua dúvida só pode ser uma: sim, o verbo mudar, nessa frase, é transitivo indireto.– e que é direta a transitividade que se realiza sem recurso a qualquer preposição, assim: «João mudou a sua vida a partir daquele dia.»
Mas… a nossa noção de transitividade não é bem essa.
É inegável que tão gramatical é a frase: «Um pedaço de terra mudou de lugar» como a frase «João mudou a sua vida». Logo, o verbo mudar, como muitos outros, pode ser uma coisa e o seu contrário, ou seja, é transitivo direto e indireto.
Para nós, quanto à transitividade, os verbos são, apenas, transitivos ou intransitivos – e não andam a mudar de cara de frase para frase.
Define-se, em geral, a transitividade como incidência do sentido do verbo sobre o seu complemento. E raciocina-se assim: se o sentido do verbo incide diretamente sobre o seu complemento, o verbo é transitivo direto; se o sentido do verbo bate numa preposição, e é forçado a um desvio, o verbo será transitivo indireto. A preposição é tida como obstáculo que o sentido do verbo teria de ultrapassar para encontrar o seu complemento.
Nós pensamos que a transitividade muito pouco tem que ver com qualquer percurso do verbo na direção do complemento. Para nós, a transitividade não é um fenómeno de incidência, mas de permuta. O sentido está no verbo e, também, no seu complemento – e a transitividade é mera permuta de sentido entre os dois.
«João mudou de vida» (modificou);«João mudou de carro» (trocou);
«João mudou de lugar» (deslocou-se, transferiu-se).
Nestas três frases, o sentido resulta mais do complemento do que do verbo. O sentido do verbo não bateu em nenhuma das preposições que, claramente, são de tal modo irrelevantes, que podiam lá não estar. Mais, ainda: se extremarmos os campos do verbo e do complemento, a preposição parece-nos preferir a companhia do complemento. Por isso, falamos em complementos preposicionados, mas não deveríamos falar em verbos de transitividade variável.
Conclusão
A distinção entre transitividade direta e indireta tem como fundamento um conceito de incidência que, no caso da transitividade – fenómeno de permuta – consideramos inadequado.
E até acontece que muitos verbos tanto selecionam complemento direto como complemento preposicionado – prova evidente de que não são uma coisa nem outra – ou, então, de que são uma coisa e outra – como acontece com o verbo mudar.
Classificar os verbos de acordo com a natureza categorial variável dos seus complementos não corresponde a um critério seguro.