DÚVIDAS

Análise de frase «Um pedaço de terra mudou de lugar»

Na frase «Um pedaço de terra mudou de lugar!»:

a)A forma verbal mudou é verbo transitivo indireto?

b) Qual a classificação sintática de «de lugar»? Objeto indireto? E o de?

Resposta

«Mudar de lugar.»

Será que o verbo mudar, nesta frase, é transitivo indireto?

Transitivos são verbos de cuja grelha argumental constam, no mínimo, dois lugares (dois argumentos): um, externo, o sujeito; outro, interno, o seu complemento.

Nota: os argumentos são internos ou externos em relação ao predicado. Por isso, o sujeito é, sempre, um argumento externo (não faz parte do predicado) e os complementos de regência verbal, preposicionados ou não, são argumentos internos (fazem parte do predicado). Na frase «Um pedaço de terra mudou de lugar» temos um argumento externo («um pedaço de terra»); e um argumento interno: o constituinte preposicionado («de lugar»).

A análise sintática da frase é, pois, como segue:

Suj.: «Um pedaço de terra»; pred.: «mudou de lugar»; «de lugar»: complemento preposicionado de regência verbal (circunstancial de lugar donde). Feita esta análise, tornar-se-á mais compreensível a nossa resposta.

Considera-se, em geral, que:

– é indireta a transitividade que se realiza mediante preposição, como acontece na frase: «Um pedaço de terra mudou de lugar

– e que é direta a transitividade que se realiza sem recurso a qualquer preposição, assim: «João mudou a sua vida a partir daquele dia.»

Com tais premissas, a resposta à sua dúvida só pode ser uma: sim, o verbo mudar, nessa frase, é transitivo indireto.

Mas… a nossa noção de transitividade não é bem essa.

É inegável que tão gramatical é a frase: «Um pedaço de terra mudou de lugar» como a frase «João mudou a sua vida». Logo, o verbo mudar, como muitos outros, pode ser uma coisa e o seu contrário, ou seja, é transitivo direto e indireto.

Para nós, quanto à transitividade, os verbos são, apenas, transitivos ou intransitivos – e não andam a mudar de cara de frase para frase.

Define-se, em geral, a transitividade como incidência do sentido do verbo sobre o seu complemento. E raciocina-se assim: se o sentido do verbo incide diretamente sobre o seu complemento, o verbo é transitivo direto; se o sentido do verbo bate numa preposição, e é forçado a um desvio, o verbo será transitivo indireto. A preposição é tida como obstáculo que o sentido do verbo teria de ultrapassar para encontrar o seu complemento.

Nós pensamos que a transitividade muito pouco tem que ver com qualquer percurso do verbo na direção do complemento. Para nós, a transitividade não é um fenómeno de incidência, mas de permuta. O sentido está no verbo e, também, no seu complemento – e a transitividade é mera permuta de sentido entre os dois.

«João mudou de vida» (modificou);

«João mudou de carro» (trocou);

«João mudou de lugar» (deslocou-se, transferiu-se).

Nestas três frases, o sentido resulta mais do complemento do que do verbo. O sentido do verbo não bateu em nenhuma das preposições que, claramente, são de tal modo irrelevantes, que podiam lá não estar. Mais, ainda: se extremarmos os campos do verbo e do complemento, a preposição parece-nos preferir a companhia do complemento. Por isso, falamos em complementos preposicionados, mas não deveríamos falar em verbos de transitividade variável.

Conclusão

A distinção entre transitividade direta e indireta tem como fundamento um conceito de incidência que, no caso da transitividade – fenómeno de permuta – consideramos inadequado.

E até acontece que muitos verbos tanto selecionam complemento direto como complemento preposicionado – prova evidente de que não são uma coisa nem outra – ou, então, de que são uma coisa e outra – como acontece com o verbo mudar.

Classificar os verbos de acordo com a natureza categorial variável dos seus complementos não corresponde a um critério seguro.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa