Talvez a expressão «telefonar para trás» esteja bem difundida na população madeirense a viver na África do Sul, não se põe isso em causa, mas, com toda a certeza, a dita expressão não é usada na Madeira, tal como não é usada nos Açores, em Portugal continental, no Brasil, ou em qualquer outro país lusófono, pelo menos, num contexto minimamente formal. Digo isto porque a expressão é semântica e sintacticamente anómala, agramatical e inaceitável. A mesma não aparece referenciada em nenhuma gramática da língua portuguesa, independentemente da variedade do português.
Agora, vejamos, há, sim, uma explicação completa para a possibilidade de uso desta ou de qualquer outra expressão que não exista em português, e a essa explicação prende-se com o contexto do uso da língua:
«O contexto, ou situação, onde tem lugar um dado comportamento linguístico constituído por um enunciado, contribui para a interpretação desse mesmo enunciado. O conhecimento ou desconhecimento do contexto, ou dos princípios socioculturais que o regulam, numa dada comunidade, actua selectivamente sobre o que se diz e pode ou deve ser dito. Neste sentido, o contexto recruta da parte do falante um conjunto de pressupostos ou crenças necessário para que a interpretação dos enunciados se faça.
«A noção de contexto como situação física e social não é, contudo, suficiente. É possível considerar outras dimensões de contexto, tais como factores extra-situacionais, de natureza sociolinguística, por exemplo, que envolvem todo um conjunto de saberes anteriores, bem como o próprio ambiente comportamental em que os interlocutores se encontram.» (Mateus et aliae, 2003: 81)
Por outras palavras, a expressão «telefonar para trás» pode ser encontrada apenas numa comunidade que vive em ambiente anglófono, contexto único onde a expressão pode ser interpretada, envolvendo factores sociolinguísticos que derivam de uma comunidade que tem em comum o facto de viver na África do Sul. Contudo, num contexto diferente, onde se exija uma formalidade básica, tal expressão não deve, de forma alguma, ser usada, pois não é considerada correcta. «Todo o nosso comportamento social está regulado por normas a que devemos obedecer, se quisermos ser correctos. O mesmo sucede com a língua, apenas com a diferença de que as suas normas, de um modo geral, são mais complexas e mais coercitivas. Por isso, e para simplificar as coisas, Jespersen define o «linguisticamente correcto» como aquilo que é exigido pela comunidade linguística a que se pertence.» (Cunha e Cintra, 2005: 6)
Há, portanto, uma norma para cada variedade do português, mas a expressão em causa não se insere em nenhuma delas, nem mesmo na variante diastrática popular. Uma coisa é admitir a dinâmica que uma língua pode assumir, outra é ignorar a distinção entre o que é facultativo e tolerável e o que é inadmissível. «Telefonar para trás» é inadmissível» em português. O correcto é «telefonar (a alguém) de volta».
Esperamos que, a partir daqui, não se insista no uso e na aceitação da expressão em causa, pois, se o fizermos, estamos a considerar permitir erros como «Telefono tu» em vez de «telefono-te» (em inglês a forma é só you), por exemplo.