À luz das regras ortográficas que vigoram ainda neste momento em Portugal, ou seja, as do Acordo Ortográfico de 1945, se as palavras que formam um composto são dois substantivos, tende-se a empregar hífen para as ligar: comboio-fantasma e cirurgião-dentista.
Digo «tende-se», porque considero que o texto de 1945 não define claramente os critérios para a atribuição de hífen; ora vejamos (sublinhados meus):
«Emprega-se o hífen nos compostos em que entram, foneticamente distintos (e, portanto, com acentos gráficos, se os têm à parte), dois ou mais substantivos, ligados ou não por preposição ou outro elemento, um substantivo e um adjectivo, um adjectivo e um substantivo, dois adjectivos ou um adjectivo e um substantivo com valor adjectivo, uma forma verbal e um substantivo, duas formas verbais, ou ainda outras combinações de palavras, e em que o conjunto dos elementos, mantida a noção da composição, forma um sentido único ou uma aderência de sentidos.»
Quanto a mim, a passagem «... forma sentido único ou uma aderência de sentidos» é vaga, porque diz que um composto tanto terá um «sentido único» como um sentido que parece ser a «aderência» ou coalescência de outros. Se a um composto pode também estar associada a modulação dos significados originais de duas palavras que formavam uma expressão composicionalmente analisável, então como definir a fronteira entre um composto que tem uma «aderência de sentidos» (ex., cor-de-rosa) e uma expressão cujo significado é ainda composicional (ex., «cor de areia»)? A minha resposta é: muito dificilmente, por falta de critérios objectivos.
Deste modo se compreende que não haja claro consenso quanto à representação gráfica de um composto, como se constata na resposta em causa.
Quanto à noção de "simultaneidade", creio que o consulente está a referir-se a compostos que coordenam as propriedades de dois substantivos, como se verifica em cirurgião-dentista, estudante-trabalhador e sócio-gerente. Nestes compostos coordenados, a flexão de plural afecta ambos os constituintes: cirurgiões-dentistas, estudantes-trabalhadores e sócios-gerentes (sobre diferenças de comportamento na formação do plural entre compostos como comboio-fantasma e compostos como estudante-trabalhador, ler resposta intitulada Criança-soldado, crianças-soldados).
Por outro lado, se os compostos integram um substantivo (N) e um adjectivo (Adj), a hifenização revela-se assistemática, porque depende da lexicalização da expressão N + Adj, isto é, do seu emprego como unidade lexical com um significado próprio, não confundível com os das palavras constituintes (ver Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, Lisboa, Colibri, 2005, pág. 42).
Repetindo um pouco o que já disse sobre os critérios gerais de aplicação do hífen, não é claro quando um composto N + Adj se lexicaliza: caixa-forte tem hífen, caixa negra («caixa num avião que faz o registo magnético das mensagens enviadas e recebidas durante voo») não tem. Assim, em muitos casos, o emprego do hífen acaba por depender da tradição lexicográfica ou do arbítrio de cada dicionarista.
Deste modo, é verdade que gerente é ambíguo quanto à sua classe morfológica (pode ser adjectivo e substantivo), mas, mesmo que se trate de adjectivo em sócio-gerente, há muito que o hífen se fixou neste composto. É o que nos explica F. V. P. da Fonseca: «Sócio-gerente, capitão-tenente e administrador-delegado são grafados com hífen no Vocabulário da Língua Portuguesa, do prof. Francisco Rebelo Gonçalves.»