DÚVIDAS

Sobre a pronúncia «correcta»

Em resposta a uma pergunta sobre a pronúncia do "r", JNH responde que o r «forte» se deve pronunciar «como se pronuncia em Coimbra e nas Beiras» e que «não convém pronunciá-lo à maneira de Lisboa», mas não explica porquê. Pergunto eu: será possível que acreditem que há pronúncias melhores ou superiores às outras? Se acham que sim, como é que explicam tal coisa? O que faz com que uma pronúncia seja melhor do que outra? Por favor ,não me digam que é uma questão de estética ou de eufonia, porque já se sabe que aquilo que é feio para uns pode ser bonito para outros e vice-versa.

E já viram o que acontecia se de repente toda a gente decidisse seguir os vossos conselhos?

De um dia para o outro toda a gente passava a falar da mesma maneira e desaparecia toda a riqueza de pronúncias que há em Portugal (ou até no mundo inteiro, quem sabe se por exemplo os angolanos não decidiriam também seguir o conselho de falar à moda de Coimbra?). É isso que realmente pretendem?

Ficariam contentes se desaparecesse o falar alentejano ou a pronúncia do Norte?


Como já perceberam, isto são perguntas retóricas, "cum grano salis", mais em jeito de desabafo do que outra coisa. Eu sei que "linguística" é palavra proibida no Ciberdúvidas, mas abster-se de fazer juízos neste domínio parece-me uma questão de bom senso.

Resposta

Agradeço todas as observações que Manuel Leal apresenta, porque elas fizeram-me pensar. E pensando aprendo. E quanto mais eu aprender, mais e melhor ajudo os outros. É também para isto que ando no mundo. Bem haja, pois. Passo a responder:

1. – Eu não disse por que razão não convém pronunciar o r «forte» à maneira de Lisboa, porque o nosso consulente não pediu que explicasse o porquê das minhas afirmações. E Manuel Leal também não o pede.

2. – Sim, «é possível que acreditem que há pronúncias melhores ou superiores às outras», mas eu não acredito, e o Ciberdúvidas também não acredita, mas lá o ser possível, é. No futuro, é possível haver alguém que acredite.

Mas note-se que não me referi à pronúncia melhor ou superior. Referi-me a pronúncia que não «convém». Uma coisa é não convir; outra é ser melhor ou pior ou ser superior ou inferior.

3. – «O que faz com que uma pronúncia seja melhor do que outra», é o seguinte, parece-me:

a) possuir mais clareza;

b) ser correcta;

c) ser aceitável;

d) haver concordância com o uso geral.

4. – Não me referi a nenhuma «questão de estética» nem «de eufonia».

Note-se que não condenei a pronúncia de Lisboa do tal r «forte». Apenas afirmei que não convém.

5. – No que toca a questões de linguagem, os portugueses são suficientemente inteligentes e livres para não seguirem os conselhos do Ciberdúvidas. E farão muito bem, quando tiverem razão para tal. Os colaboradores do «Ciber» são normais. Portanto, erram.

6. – O Ciberdúvidas apenas aconselha. Nada pretende e nada impõe, porque cada ser humano é um indivíduo [do latim «individuu(m)»] indivisível. É uma unidade distinta, independente e autónoma, com os seus interesses e direitos.

7. – O Ciberdúvidas não aconselhou «falar à moda de Coimbra». Nem sequer se referiu a determinada palavra, mas apenas à pronúncia dum fonema.

8. – Não é verdade que «linguística» seja «palavra proibida no Ciberdúvidas», antes pelo contrário, porque dela nos servimos para estudar, aprender e responder.

E, para terminar, liguemos o princípio e o fim desta resposta, dizendo:

«Bem haja, prezado consulente, pelas suas «perguntas retóricas, 'cum grano salis'!».

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa