A questão que coloca é bastante interessante, ainda que não de resposta fácil. Com efeito, os advérbios, além de constituírem uma classe muito heterogé[ê]nea, podem ainda ter interpretação distinta em contexto. A complexidade desta situação pode conduzir a classificações nem sempre coincidentes. No entanto, e no que se refere ao advérbio talvez, parece haver alguma coincidência na interpretação. Todas as gramáticas que consultei o consideram como modificador não apenas do grupo verbal, mas sim da frase. Por exemplo, Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, refere-se a um grupo de advérbios transfrásicos e dentro destes aponta aqueles que alteram o sentido ôntico da frase, ou seja «o valor de existência que se atribui ao “estado de coisas” designado pela oração (existência certa, negada, duvidosa, desejada, etc.)», pág. 293. Inclui neste número o advérbio talvez.
Na nova terminologia linguística os advérbios estão divididos em três grupos: os adjuntos, modificadores de verbos, adjectivos ou advérbios; os cone(c)tivos, que retomam ou relacionam frases, ou partes de texto, e os disjuntos, cujo sentido incide sobre a totalidade de uma frase. Esta divisão segue estudos recentes e baseia-se num conjunto de testes que permite identificar características comuns entre os vários advérbios.
Assim, para distinguir os advérbios disjuntos dos adjuntos, aplicam-se – entre outros descritos na Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, págs. 430 e 431 – testes sintácticos como a interrogação e a negação. Os advérbios adjuntos integram frases gramaticais na aplicação desses testes, contrariamente aos advérbios disjuntos. Vejamos:
(1) E somos poucos, aqui, não mais de cinquenta.
(1.1) É aqui que nós somos poucos [, não mais de cinquenta]?
(1.2) Não é aqui que nós somos poucos [, mas sim ali].
(2) Talvez devesse antes dizer de infortúnio.
(2.1) *É talvez que eu deva [devesse] antes dizer de infortúnio.
(2.2) *Não é talvez, mas sim possivelmente que eu deva antes dizer de infortúnio.
A aplicação destes dois testes permite-nos integrar os dois advérbios em apreço em grupos distintos e verificar que aqui se comporta como os outros advérbios adjuntos, do mesmo modo que talvez se pode associar aos outros advérbios disjuntos.
Claro que isso não invalida restrições de construção que lhe são específicas, e uma delas é o facto de, como referem Ana Costa e João Costa na obra O Que É Um Advérbio?, pág. 45, implicar o uso de conjuntivo sempre que ocorre em posição pré-verbal. Com efeito, se o advérbio for colocado depois do verbo, esse já não vai para o conjuntivo:
(3) Devo/deve talvez antes dizer de infortúnio.
Quanto à sua dúvida inicial, nada encontrei que permita admitir que um advérbio disjunto possa ser considerado adjunto. Encontrei, isso sim, referência à possibilidade de um advérbio adjunto pertencer a mais do que uma subdivisão, ou seja, veicular mais do que um sentido, dependendo do contexto.