Parece ter toda a razão o estimado consulente, pois na esmagadora maioria das versões de Dom Casmurro por mim consultadas (inclusivamente na edição digitalizada da Biblioteca Nacional do Brasil), o excerto transcrito surge com a referida crase, exa{#c|}tamente nos moldes aqui apresentados. Apenas na edição de 2000, da Abril/Controljornal, para a «Biblioteca Visão», o excerto do capítulo III transcrito pelo consulente se encontra fixado da seguinte forma: «Bentinho mal tem quinze anos. Capitu fez quatorze a semana passada» (p. 8). Presumo, portanto, em sintonia com o consulente, que não se trata de nenhuma gralha.
Por outro lado, é curioso verificar que no Corpus de Extractos de Textos Electrónicos NILC/Folha de São Paulo (CETENFolha), a única ocorrência que surge da contra{#c|}ção da preposição a com o artigo a (à), compatível com o contexto sugerido, é justamente este excerto que nos encontramos a analisar, retirado de Dom Casmurro, de Machado de Assis.
De fa{#c|}to, no caso em apreço, à surge com o valor de «aquando de», «por ocasião de», «na altura de». Assim, poderíamos eventualmente substituir «Capitu fez quatorze à semana passada» por «Capitu fez quatorze a semana passada», «Capitu fez quatorze na semana passada», «Capitu fez quatorze aquando da semana passada», ou «Capitu fez quatorze por ocasião da semana passada».
Seguindo esta linha de raciocínio, no Novo Dicionário Aurélio, encontramos o seguinte exemplo de uso de à: «Chegou à hora da partida.» Ora, do meu ponto vista, este enquadramento será porventura compatível com o uso da referida crase no contexto que aqui nos encontramos a analisar («Chegou na altura da partida»).
Finalmente, valerá ainda a pena dizer que esta formulação, de acordo com uma breve pesquisa que fiz em três versões digitais de outras obras de Machado de Assis — Helena, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba —, não parece ser comum neste autor. Por exemplo, em Helena, no capítulo IX, em contexto semelhante ao do excerto de Dom Casmurro aqui analisado, encontramos a seguinte observação do narrador: «A promessa de ir pedir Eugênia, fê-la Estácio na segunda semana de dezembro», e não «A promessa de ir pedir Eugênia, fê-la Estácio à segunda semana de dezembro». Mesmo em Dom Casmurro, o referido enquadramento de à não se volta a repetir. Esta poderia ser, eventualmente, uma marca distintiva da linguagem caracterizadora da personagem que profere tais palavras, neste caso, D. Glória, mas não me parece que assim seja. Por outro lado, tendo em conta que D. Glória provém de famílias tradicionais da aristocracia mineira e paulista, poderíamos também supor que esta fosse uma marca linguística regional ou diale{#c|}tal, contudo, por aquilo que sei, não consta igualmente que assim seja. Quando muito, poderá eventualmente ser um laivo de oralidade, um pouco na linha do uso de «criançolas», expressão usada no momento do livro imediatamente seguinte a este excerto.
Posto isto, e em jeito de conclusão, parece-me que o consulente tem razão na reflexão que tece a propósito desta crase: «embora não usual, (...) soa como uma forma de precisar um evento no tempo e, portanto, correcto». Permita-me, pois, que faça minhas as suas palavras.