Na perspetiva gramatical, pode dizer-se que ambas as frases estão corretas. Contudo, do ponto de vista estilístico, a segunda ressalta como mais adequada, porque evita a repetição da preposição de, a qual pode omitir-se (o mesmo já não pode dizer da conjunção que).
A preposição é possível gramaticalmente antes de cada uma das três orações subordinadas completivas* (ou, usando um termo mais tradicional, orações subordinadas integrantes) que constituem a enumeração em causa:
1. «De que aquela porcaria de rocim não era Málek-Adel,/ de que entre ele e Málek-Adel não existia a menor semelhança,/ de que qualquer pessoa minimamente sensata devia ter reparado nisso à primeira vista... [disso tudo já não restava a menor dúvida!]».
Em 1, sucedem-se três orações coordenadas, todas elas dependentes da locução «não restar dúvida de..», que inclui a preposição de, o que se observa melhor, se pusermos tais orações na ordem direta, isto é, a seguir ao verbo que as seleciona:
2. «já não restava dúvida de que aquela porcaria de rocim..., de que entre ele e Málek-Adel..., de que qualquer pessoa...»).
Contudo, como na frase apresentada pelo consulente está destacada (deslocada ou topicalizada para o começo da frase, antes do verbo) toda esta enumeração oracional, fica favorecida, do ponto de vista estilístico, a omissão da preposição, que é, de resto possível, antes da conjunção integrante que (embora certos gramáticos normativistas condenem esse uso; consultem-se os Textos Relacionados):
3. «Que aquela porcaria de rocim não era Málek-Adel,/ que entre ele e Málek-Adel não existia a menor semelhança,/ que qualquer pessoa minimamente sensata devia ter reparado nisso à primeira vista... [disso tudo já não restava a menor dúvida!]»
De notar ainda que a expressão preposicional «disso tudo» retoma e resume as referidas orações sem pôr em causa a possibilidade de estas surgirem sem preposição. Basta lembrar o caso de gostar, que exige preposição antes de expressão nominal («gosto de chocolates»), mas que se usa sem preposição quando se segue uma oração («gosto que comprem chocolates»). Transpondo a estrutura da frase em discussão para o uso do verbo gostar , vê-se que não há incorreção na seguinte frase:
4. Que me ofereçam flores, que me deem chocolates, que me levem a jantar... disso tudo gosto.
Tal como em 3, também em 4 se enumeram três orações coordenadas dependentes de gosto, série retomada por «disso tudo», que lhe resume o conteúdo. As orações não têm preposição, mas a sequência pronominal isso tudo tem – «disso tudo» –, conforme prevê o comportamento gramatical de gostar.
* Uma oração subordinada completiva (ou, de forma mais completa, oração subordinada substantiva completiva – ver Dicionário Terminológico) é uma oração equivalente a uma expressão nominal com a função de complemento de um verbo, de um substantivo ou de um adjetivo. Ou seja, assim como na frase «ele disse algumas verdades» a expressão nominal «algumas verdades» é complemento (direto) do verbo («disse»), também a frase «ele disse que tudo era verdade» encerra a oração «que tudo era verdade», que é complemento verbal (de «disse»). Se o verbo tiver regência – por exemplo, duvidar (de) –, a expressão nominal que é complemento aparece sempre preposicionada: «duvidei de muitas histórias»; se uma oração for complemento, geralmente ocorre também a preposição: «Duvidei de que essas histórias fossem verdade.» Acerca deste assunto, ler a resposta Sobre as orações subordinadas completivas.