As únicas referências à palavra em apreço a que tive acesso remetem para o mesmo texto, ou seja, para o auto pastoril que indica. Não encontrei, por isso, nenhuma indicação acerca do seu sentido.
Encontrei, no entanto, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa e na base de dados Mordebe a palavra, ou interjeição, domisteco, que significa «Deus te salve» e tem origem na expressão do latim religioso Dominus tecum (sit), que significa literalmente «Deus esteja contigo».
Com base neste facto, avanço com uma hipótese de intrepretação. Se considerarmos que a palavra em apreço, "demenesteco", é colocada na boca do Parvo, poderemos pensar que se trata de uma corruptela de uma qualquer expressão que existisse na época. Transcrevo a palavra contextualizada:
PARVO
Cousas faz elle ás vezes
A través, como homem diz.
Nega se meu embeleco,
Vai poer as pipas em sécco,
E enche de agua o Mondego:
Fará mais hum demenesteco?
Engorda os Vereadores,
E sécca as pernas ás moças
E faz os frades vermelhos,
E os leigos amarellos,
E faz os velhos murzellos.
Enruça os mancebelhões,
E não attenta por nada
(…)
Gil Vicente, Auto Pastoril da Serra da Estrela
Como se pode verificar, e como é comum nas palavras do Parvo, esta personagem assume, numa linguagem popular, a voz da crítica social, do mundo às avessas.
Neste sentido, poderemos considerar que o verso, em forma de pergunta «Fará mais um demenesteco?» seja uma referência directa àqueles que são hipócritas e andam sempre com «o credo na boca». Para veicular essa ideia, Gil Vicente teria recorrido a uma expressão conhecida de todos e tê-la-ia transformado num nome, que colocou na voz do Parvo. Como nós hoje fazemos, por exemplo, para nos referirmos a pessoas que são, ou nos parecem, excessivamente susceptíveis, quando dizemos que são «cheias de não-me-toques».
Potencialmente, a expressão utilizada pelo Parvo poderia ser a mesma que está subjacente à interjeição domisteco, dominus tecum. Se aceitarmos como viável esta proposta de interpretação, as diferenças fonéticas poderiam ser explicadas pela pronúncia característica de uma dada região ou mesmo pessoa, que fosse directamente visada. E dominus tecum teria dado na voz do Parvo "demenesteco", veiculando um sentido diferente do que lhe é habitual e caracterizando, não uma pessoa cordata e eventualmente religiosa, mas uma pessoa hipócrita que usa «o nome de Deus em vão»...