Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, pág. 374), preceituam o seguinte (itálico do original a negro):
«[…] Na numeração de artigos de leis, decretos e portarias, usa-se o ordinal até nove, e o cardinal de dez em diante:
Artigo 1.º
Artigo 10 (dez)
Artigo 9.º
Artigo 41 (quarenta e um)»
De acordo com esta descrição e considerando que a Constituição é a lei fundamental, seria de esperar que o artigo em apreço fosse lido como «cento e vinte sete». No entanto, não é o que se passa, porque na prática, usam-se quer os ordinais quer os ordinais na leitura dos algarismos correspondentes ao número de ordem de cada artigo. Assim, tanto se diz «artigo centésimo vigésimo sétimo», como «artigo cento e vinte e sete», isto apesar de os próprios juristas reconhecerem como correcto o uso descrito por Cunha e Cintra (idem, ibidem). 1
Para explicar o uso do cardinal em cerimónias de tomada da posse do cargo de Presidente da República, parece-me que há dois aspectos a considerar:
– Ao contrário do que indicam Cunha e Cintra (ibidem), os próprios diplomas apresentam a forma gráfica dos ordinais, isto é, com ponto à direita e o superior à linha, o que pode induzir o leitor a usar os ordinais.
– A solenidade do momento exige que a linguagem seja também solene. Ora a maior parte dos numerais ordinais tem origem erudita e pertence sobretudo ao registo formal. Pode-se supor que o falante que conheça as formas dos ordinais será levado a usá-las em situações de formalidade, se desconhecer o preceito acima enunciado e puder mostrar que reconheceu tal formalidade.
Em conclusão, de 10.º em diante o uso correcto na numeração dos artigos das leis é o dos numerais cardinais (por exemplo, «artigo dez»), embora muitos falantes prefiram os ordinais (por exemplo, «artigo décimo»).
1 Agradeço ao Dr. João Raposo (jurista) os esclarecimentos prestados.