A sequência «de tanto que» não se encontra registada como locução conjuncional nas gramáticas de referência nem nos dicionários gerais. Contudo, a descrição linguística tem permitido evidenciar que, não se usando como locução conjuncional, há muito que introduz uma construção que não é exclusiva do português coloquial do Brasil ou de Portugal.
Em gramáticas de referência como a de Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984) ou a de Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2002), as gramáticas de referência de que dispomos, não se assinala nem se descreve a construção em apreço. No entanto, estruturas muito semelhantes têm sido objeto da atenção dos linguistas, havendo quem proponha que, em frases como «foi embora tão triste ficou com a situação» e «comeu quatro sanduíches tamanha era sua fome», as orações «tão triste ficou com a situação» e «tamanha era a sua fome» sejam classificadas como orações justapostas adverbiais causais começadas por palavra intensiva – cf. Luiz Cláudio Valente Walker de Medeiros, "Frases multioracionais constituídas por justaposição e correlação", Idioma, Rio de Janeiro, n.º 28 , p. 07-21, 1.º Sem. 2015 | 11 pág. 11). Mas não se pense que a atenção sobre este tipo de orações é de agora.
Na verdade, noutro estudo já com várias décadas, da autoria de Clóvis Barleta de Morais ("Alguns tipos de subordinadas adverbiais", Alfa, 18/19, 1972/1973, págs. 156-232), propõe-se denominar as orações introduzidas por «de tanto que...» e «de tão (+ adjetivo) que...» como orações causais intensivas, que essa fonte descreve e define do seguinte modo:
«139. Em português pode-se usar de tão... que, de tanto que.
A raiva apertava-lhe o gasnete, e com violento esforço apenas esguichou uma palavra, que levou a rilhar entre os dentes, de tão cerrados que estavam os queixos. (J. Alencar, O Garatuja, cap. XVII, p. 87) I. e.: porque os queixos estavam muito cerrados.
Espigavam no meio da ervagem couves gigantes, já com pretensões a arbustos, de tão velhas que eram. (idem, Til, vol. I, cap. XVI, p. 118).
Veja um campo onde pastam ovelhinhas; não andam aos pares e não se distinguem, de tão iguais que elas são (Agustina Bessa Luís, O Manto, p. 34).
Possuía enormes olhos sem pestanas e sempre rodeados por um halo vermelho, de tanto que chorava. (Eadem, ibidem, p. 31).
A origem dessa construção parece clara: um adjunto adverbial de causa, introduzido pela preposição de e contendo um elemento intendivo (tão, tanto) que pede uma oração consecutiva; o conjunto gramaticalizou-se, formando uma causal intensiva, que é o que o falante moderno sente. O advérbio pode omitir-se, sem desaparecimento da ênfase (de... que):
O vento, de débil que era, mal podia agitar as folhas movediças das árvores (Júlio Dinis, Uma Família Inglesa, cap. XIV, p. 162) [...]»
O autor citado assinala em nota que o gramático português Epifânio Dias «[...] não admitia a gramaticalização da construção, nem analisava o que como conjunção consecutiva, mas como pronome relativo: "O pronome que (servindo de nome predicativo ou aposto) pode estar referido a um adjetivo, v. g. os ribeiros quase não murmuram de débeis e exaustos que vão" (Gramática Elementar, § 189, 4 a, p. 113) [...]» (manteve-se a grafia do original).
Note-se que estas análises e classificações figuram num trabalho especializado, pelo que podem não ser adequadas ao nível de análise que é mais característico dos ensinos básico e médio.