Susana Ramos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Susana Ramos
Susana Ramos
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Licenciada em Estudos Clássicos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e pós-graduada em Ensino do PLE/L2 pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Foi docente de Português L2/LE no Instituto Camões em Paris entre 2009 e 2010 e professora estagiária de PLE/L2 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto entre 2010 e 2011.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se os países africanos e Timor-Leste seguem a norma europeia do português.

Desde já agradeço todos os bons artigos que cá têm, tem sido uma ajuda preciosa para mim. Fazem um ótimo trabalho.

Resposta:

Em África, nas repúblicas de Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, e na Ásia, em Timor-Leste e em Macau, o português europeu-padrão1 tem sido a norma, embora se assista atualmente à elaboração de variedades normativas nacionais. Sobre esta situação, observa Esperança Cardeira, em História do Português (Lisboa, Editorial Caminho, 2006, p. 90; manteve-se a ortografia original):

«[Em Angola e Moçambique] [a] norma é, ainda, a do português europeu. Mas o léxico, a morfologia, a sintaxe e a fonética vão sofrendo modificações resultantes do contacto com as línguas nacionais. É por interferência destas línguas – bem visível nos textos literários – que o português vai ganhando contornos que poderão vir a configurar novas gramáticas africanas.»

Em nome da equipa do Ciberdúvidas, agradeço as palavras de apreço.

 Em linguística, norma ou padrão significa o «conjunto de preceitos e regras que determina o que deve ou não ser usado numa língua ou que corresponde ao que é

Pergunta:

Que processo de formação de palavras ocorre em megalómano? Mega é um prefixo?

Obrigada.

Resposta:

Megalómano é uma palavra complexa, resultante da associação de um radical a outro radical ou uma palavra, ou seja, é um composto erudito (terminologia tradicional) ou um composto morfológico (cf. Dicionário Terminológico). A palavra deve ser analisada em dois elementos: megalo- (que não é prefixo) e -mano (um elemento de composição átono, que obriga o acento a deslocar-se para a antepenúltima sílaba do composto).

Na forma megalómano, estamos perante a formação de palavras por composição, processo que consiste em criar uma nova palavra pela união de dois ou mais radicais. Como se disse, neste caso, trata-se de um composto erudito greco-latino, fenómeno que associa dois termos, o primeiro dos quais serve de determinante do segundo. Assim, o radical grego com a função de 1.º elemento, megalo- (que significa «grande»), associado ao 2.º elemento -mano (radical grego que significa «louco», «inclinado», «com tendência a»), forma a palavra megalómano («aquele que tem tendências de megalomania, que sofre da mania das grandezas»).

Pergunta:

Na frase «a Ana comprou um livro e leu-o todo», o o é um pronome pessoal ainda que se refira a um livro (ou noutras situações a um animal ou objeto)? Ou os pronomes pessoais substituem apenas nomes referentes a sujeitos/pessoas?

Obrigada.

Resposta:

Na frase em questão, a forma o é pronome pessoal átono que se refere a «um livro». Ou seja, os pronomes pessoais átonos podem referir-se tanto a pessoas e animais como a coisas, objetos materiais, factos ou situações.

Os pronomes pessoais têm a mesma função que os elementos nominais e denotam as três pessoas gramaticais de um discurso, conforme esquema de Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português, p. 277):

«a)    quem fala = 1.ª PESSOA = eu (singular), nós (plural);

b)    com quem se fala = 2.ª PESSOA = tu (singular), vós (plural);

c)    de quem se fala = 3.ª PESSOA = ele, ela (singular), eles, elas (plural).»

Segundo a função e acentuação que desempenham na frase, os pronomes pessoais podem variar de forma. Relativamente ao pronome pessoal o, estamos perante uma forma oblíqua e átona do pronome pessoal. Quando o pronome oblíquo da 3.ª pessoa, que desempenha a função de objecto direto, vem antes do verbo, apresenta-se sempre com as formas o, a, os, as:

«Nunca o vi por aqui.»

Quando vem colocado depois do verbo e se liga a este por hífen, a sua forma depende da terminação do verbo:

Se a forma verbal terminar em vogal ou ditongo oral, emprega-se o, a, os, as:

«Faço-o com muito gosto.»

Se a forma verbal terminar em r...

Pergunta:

Numa resposta, afirma-se que se pode escrever lapalissada ou lapaliçada. No entanto, após pesquisa em dois dicionários da língua portuguesa disponíveis online (Priberam e Infopédia), apenas surge lapalissada. Gostaria de saber em que dicionário se encontra o registo lapaliçada.

Grata pelo esclarecimento.

Resposta:

A forma lapaliçada não tem registo nos dicionários de língua portuguesa, mas está correta, porque a sua grafia se baseia não em La Palisse mas em La Palice com co nome próprio que é base da derivação tem, portanto, duas grafias*. É, pois, possível escrever lapaliçada com ç de forma a representar a fricativa linguodental surda [s] quando surge antes de a, o e u, sendo esta grafia tão correta como lapalissada.

* Sobre este assunto, consultar o artigo sobre o substantivo francês lapalissade no Trésor de la Langua Française.

Pergunta:

Pode usar-se a palavra atraumaticamente com o significado de «de forma indolor, sem provocar dor»?

Resposta:

É legítimo o uso do advérbio de modo atraumaticamente, com um significado muito próximo do sugerido na pergunta.

O Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (São Paulo, Editora UNESP, 2004) regista o adjetivo atraumático na aceção de «[aquilo] que não causa traumas ou lesões». Trata-se de um adjetivo que deriva da associação do prefixo1 grego de negação ou privação a(n)-2 ao adjetivo traumático (do grego traumatikós, «relativo a trauma», «que provoca trauma», em Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora). Ambos os adjetivos permitem a formação de advérbios de modo: assim como traumático permite a formação de traumaticamente, também de atraumático se deriva atraumaticamente, «sem trauma, sem lesão» e, por extensão, «de forma indolor».

Com a prefixação, forma-se outra palavra semanticamente relacionada com a palavra-base. Os prefixos, formas presas da língua, têm como função modificar o sentido da palavra a que se unem, adicionando informação nova (cf. Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, pp. 85 e 86).

Não confundir com os prefixos de origem latina a-, com as variantes ab- e abs- (indicam «distanciamento, a partir de, depois de»; p. ex., amovível, abdicar e abster; cf. Dicionário Houaiss), ou a- ou ad- (indicam aproximação; cf. idem). O prefixo a- pode ser tam...