Pergunta:
Tenho uma dúvida sobre a próclise. Estou lendo um romance de Camilo Castelo Branco e me deparei com a seguinte frase: «Bem sabia ele que Luís de Camões morrera sem lençol em que amortalhar-se (...).»
De acordo com meu atual conhecimento, o pronome relativo faz o uso da próclise ser obrigatório. Por que razão, então, o romancista não a utilizou no caso acima citado?
Desde já, agradeço a atenção.
Resposta:
Na oração «em que amortalhar-se», a próclise não é obrigatória, apesar da ocorrência do pronome relativo que.
Em português moderno, os pronomes clíticos1 (pronomes oblíquos átonos) ocorrem ou numa posição adjacente à esquerda ou à direita a um hospedeiro verbal, posições denominadas de proclítica e enclítica, respetivamente.
De acordo com a gramática luso-brasileira, a posição enclítica é o padrão básico da língua portuguesa, e a posição proclítica é induzida por fatores de natureza sintático-semântica ou prosódica. Na frase que apresenta, «Bem sabia ele que Luís de Camões morrera sem lençol em que amortalhar-se (...)», embora a segunda ocorrência do pronome relativo que seja uma palavra indutora de próclise, não significa que induz por si só o fenómeno, já que, em frases não finitas, o pronome pessoal átono pode ocorrer em ênclise a uma forma de infinitivo não flexionado2. A oração «em que amortalhar-se» ilustra, portanto, uma possibilidade que a norma aceita.
1 De acordo com Inês Duarte et al., «os pronomes clíticos correspondem prototipicamente às formas átonas do pronome pessoal que ocorrem associadas à posição dos complementos dos verbos. DUARTE, Inês et al. 2003 – “Tipologia e distribuição des expressões nominais” in Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho: pp. 826 e 827
2 M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho: p. 862.