Susana Ramos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Susana Ramos
Susana Ramos
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Licenciada em Estudos Clássicos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e pós-graduada em Ensino do PLE/L2 pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Foi docente de Português L2/LE no Instituto Camões em Paris entre 2009 e 2010 e professora estagiária de PLE/L2 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto entre 2010 e 2011.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é a origem da palavra bagunça?

Resposta:

Como já foi aqui dito anteriormente (ver Textos Relacionados), a origem da palavra bagunça, que pode significar «confusão» ou «máquina de remover aterro» (cf. Dicionário Eletrónico Houaiss da Língua Portuguesa), é duvidosa, embora se pense que possa ser de origem expressiva, isto é, originária de uma onomatopeia (palavra formada por imitação de um som natural).

Note-se, contudo, que Silveira Bueno, no seu Grande Dicionário Etimológico Prosódico (São Paulo, Edição Saraiva, 1964), considerava que a palavra era um termo da gíria militar, «derivado de bag, donde nos veio através do francês bagagem [...]», raiz a que se teria associado uma terminação de caráter pejorativo -unça. Esta terminação parece ser uma variante de -uça, tendo em conta a existência de formas em alternância como ganhuça/ganhunça, «lucro, vantagem», também usados com sentido pejorativo (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Vi que enxabido e desenxabido são sinônimos. Minha dúvida é de natureza etimológica. Quer dizer que des- não inverte o significado da palavra?

Gostaria de receber uma explicação. Sempre pensei que des- inverte o teor do étimo. Como, por exemplo, em gostoso e desgostoso.

Uma é o oposto da outra. Certo?

Agradeço a distinta atenção.

Resposta:

De facto, enxabido e desenxabido (insípido, sem sabor) são palavras sinónimas, cujo étimo latino é insapidus. O prefixo de origem latina des-, com o sentido de «separação, ação contrária», pode, no entanto, também exprimir «aumento, reforço, intensidade» (cf. Dicionário Eletrónico Houaiss da Língua Portuguesa): refira-se, por exemplo, o par inquieto/desinquieto, no qual o segundo elemento significa «muito inquieto» (idem). Sendo assim, verifica-se que a adjunção do prefixo des- à palavra enxabido não veicula uma noção de ação contrária, mas, sim, reforça a ideia do que é insípido ou sem sabor.

Pergunta:

Gostava de conhecer o significado desta expressão (possivelmente calão ou rima metida a martelo) que aparece na canção Eu Sou Maria-Rapaz, da Nani, que participou no Festival RTP da Canção de 1992. Eis o contexto:

Chamas-me chico-da-rua e dizes que assim não dá

Chamas-me pedra-de-lua, Maria-rapaz, sei lá

Sou como a meloa, boa, só para quem provar

Sou como a castanha, estranha, amor, que ao tocar te pica a mão

Por dentro tão bom sabor e toda coração.

Resposta:

A palavra chico, que deriva do italiano cica, significa «pequeno». O vocábulo foi emprestado a outras línguas latinas, como ao português, significando «menino», «rapaz». A expressão chico da rua pode significar, portanto, «rapaz» ou «menino da rua», não deixando de ter um caráter autointerpretável, como, por exemplo, um rapaz que passa muito tempo na rua (a brincar, com os amigos, sozinho, etc.).

Pergunta:

Como é que se deve dizer o Princípio de Arquimedes em português? Na Wikipédia leio: «Todo corpo mergulhado num fluido em repouso sofre, por parte do fluido, uma força vertical para cima, cuja intensidade é igual ao peso do fluido deslocado pelo corpo.» É possível a forma «Todo o corpo...»? Tenho lido alguma versão com esta outra forma. Em geral, em enunciados deste tipo (outro exemplo seria «Todo homem é mortal») é possível ou mesmo recomendável pôr um o após todo?

Muito obrigado.

Resposta:

O quantificador universal todos, em português europeu, é sempre seguido de artigo definido, como em «todo o homem é mortal» ou «todos os dias vou para o trabalho».

Em português brasileiro, faz-se a diferença de uso entre todo o e todo, tal como podemos ver no Dicionário Eletrónico Houaiss da Língua Portuguesa:

a) «Todo o dia foi de chuva.»

b) «Todo cidadão tem direitos e deveres.»

Em a), significa que «o dia inteiro foi de chuva», e em b), significa que «qualquer cidadão tem direitos e deveres».

No plural, «é obrigatório o emprego do artigo: «todos os cidadãos têm direitos» (idem).

Em português brasileiro, seria correto dizer «todo homem é mortal».