Susana Ramos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Susana Ramos
Susana Ramos
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Licenciada em Estudos Clássicos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e pós-graduada em Ensino do PLE/L2 pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Foi docente de Português L2/LE no Instituto Camões em Paris entre 2009 e 2010 e professora estagiária de PLE/L2 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto entre 2010 e 2011.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Aprendi, há muitos anos, que a palavra grama, usada como unidade de medida, era o plural da palavra gramo. Consultando este website, vejo que vocês usam a palavra gramas como plural de grama. O que aprendi está errado, ou caiu em desuso?

Resposta:

Não há fontes que apresentem o registo da forma gramo como singular de grama, forma gráfica que surgiu no século XIV para indicar a medida de peso. As formas corretas atuais são grama no singular e gramas no plural, que derivam do étimo grego grámma. A forma gramo como variante, a que corresponderia o plural gramos, não terá sido desconhecida em português, mas, ao que parece, foi sempre escassamente usada.1 Por exemplo, no Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira, podemos encontrar apenas uma ocorrência de gramo, com o significado de «unidade de medida de massa», num texto de José de Alencar (1829-1877): «Neste momento preciso muito daquele gramo de loucura, com que o poeta manda temperar o juízo; e que realmente é o melhor sal da razão, pois a preserva de corromper-se.»

Numa página da Internet (blogue Um asno que só lê), diz-se que o vocábulo gramo já fez parte da língua portuguesa por influências do espanhol; além disso, Jânio Quadros, no seu Curso Prático de Língua Portuguesa e sua Literatura, de 1966, utilizava gramo como unidade de peso. Embora não tivesse sido possível confirmar esta informação noutras fontes, deixamo-la nesta nota a título de curiosidade.

Pergunta:

O antónimo de confortável pode ser desconfortável e inconfortável?...

Uma das minhas alunas colocou-me a questão, fomos pesquisar na Internet e verificamos que em vários sites brasileiros ambos os termos surgem como possíveis; em português de Portugal também será assim?...

Resposta:

O adjetivo confortável tem efetivamente como antónimos as formas desconfortável e inconfortável (cf. Dicionário Eletrónico  Houaiss, Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Quer em português europeu quer em português brasileiro, a associação dos prefixos negativos de origem latina des- e in- ao vocábulo confortável veicula a ideia daquilo que «não oferece conforto ou que não é confortável» (ver Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora). 

De acordo com a Nova Gramática do Português Contemporâneo (Celso Cunha e Lindley Cintra, p. 87), os prefixos des- e in- têm significados diferentes: o primeiro pode referir «separação» ou «ação contrária», e o segundo, «negação» ou «privação»1. Contudo, segundo o Dicionário Houaiss, para além de o prefixo des- significar «separação, afastamento», também indica «oposição, negação, falta». Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (p. 449, ed. 2009), refere mesmo que o prefixo des- marca «negação, ação contrária, cessação de um ato ou estado, ablação, intensidade» e que deriva de um uso mais popular. Não admira, portanto, que desconfortável seja forma legítima e de uso corrente. Note-se, porém, como já foi disto, que inconfortável, além de palavra bem formada, também se encontra registada em dicionários elaborados no Brasil e em Portugal, muito embora se empregue pouco (cf. desconfortável e incon...

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra uno como adjectivo do número um ainda é utilizada na língua portuguesa.

Obrigado.

Resposta:

O adjetivo uno (do latim unus, a, um), cujo uso está atestado a partir do século XIII, é empregado na língua portuguesa contemporânea com o sentido de «singular», «único», «que é só um», «indivisível» ou «inseparável» (cf. Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora). O Dicionário Eletrónico Houaiss da Língua Portuguesa atesta o seu uso nos seguintes contextos:

«1. único no seu gênero ou espécie, singular, um

Ex.: Deus é uno.

2. sem partes, indivisível

Ex.: Uma massa una e lisa.

3. cuja totalidade não pode ser desfeita; unido, íntegro

Ex.: A nação deve permanecer una sem perder sua diversidade.»

Observe-se que uno não é propriamente «adjetivo do número um»; trata-se, sim, de uma palavra que tem a mesma origem que um, mas que, historicamente, surgiu de forma divergente.

Pergunta:

Na frase «todo o aluno deve ser um resolutor de problemas matemáticos», o termo resolutor, obviamente, é empregado no sentido «que ou aquele que resolve». Todavia, não pude encontrar esta palavra no dicionário. Ela existe? Se não, está incorreta a sua utilização?

Resposta:

O vocábulo resolutor não está dicionarizado, embora seja atestado pelo Dicionário Eletrónico Houaiss no artigo de elementos de composição referente ao radical solv-, do verbo latino solvo, is, i, solutum, solvere, que significa «resolver», o que sugere que a forma é possível, apesar do seu escasso uso. Com o mesmo significado de resolutor, há ainda a palavra solucionador, que os dicionários não registam, mas cujo uso parece menos problemático, visto derivar regularmente da forma verbal solucionar. Assim, poderá aplicar ambas as ocorrências: «todo o aluno deve ser um resolutor de problemas matemáticos» e «todo o aluno deve ser um solucionador de problemas matemáticos».

Pergunta:

Estamos a escrever um livro de mecânica dos fluidos para o curso de Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico. Gostaríamos de saber quando se usam os sufixos -eano e -iano, quando aplicados a nomes próprios. Mais concretamente as seguintes palavras: "newtoniano", "lagrangeano", "euleriano" e "laplaciano".

Resposta:

O sufixo -ano, usado nas formas de adjetivo ou de substantivo e que atribui um valor de origem ou de semelhança à palavra a que se junta1, segue uma regra gráfica segundo a qual se escreve -eano quando a sílaba tónica do derivante for um -e- tónico ou ditongo tónico com base -e-, como é o caso de eulereano – do francês Euler. Se o -e- for átono seguido de uma vogal átona, como é o caso, por exemplo, de Arqueu, Galileu, Egeu, escreve-se -eano: arqueano, galileano, egeano. Nos restantes casos, mesmo que derivem de palavras que se escrevem com -e-, grafa-se sempre -iano, como newtoniano, lagrangiano e laplaciano (de Newton, Lagrange e Laplace)2.

O sufixo -ano confere os seguintes valores às palavras: «a) proveniência, origem, pertença; b) sectário ou partidário de; c) semelhante ou comparável a, como romano, luterano, camoniano, etc...», em Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 2002, p. 100.

Há algumas exceções, como em hugoano (Victor Hugo) e peruano (Peru), vocábulos que podem servir de padrão a ocorrências morfológicas semelhantes (cf. Dicionário Eletrónico Houaiss).