Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Usar a expressão continuação como forma de despedida é incorreto?

Obrigada.

Resposta:

Em Portugal, não se pode considerar a forma de despedida continuação errada, contudo, a mesma está restrita a um uso informal, por exemplo em mensagens ou e-mails entre amigos. 

Repare-se que quando a despedida é feita através da palavra continuação está subententido «boa continuação de trabalho», por exemplo. Se, por outro lado, optarmos pela forma de despedida completa, então o seu uso pode transcender o campo da informalidade, sendo que, no entanto, não é considerada uma forma de despedida formal. 

Pergunta:

«Pessoa sem carácter» ou «pessoa com mau carácter»?

 

O consulente escreve de acordo com a norma ortográfica de 1945.

Resposta:

 As expressões «sem carácter» ou «com mau carácter» estão corretas e são equivalentes.

Por caráter1, entende-se genericamente um «conjunto de traços psicológicos e/ou morais (positivos ou negativos) que caracteriza um indivíduo ou um grupo» (Dicionário Houaiss). Regista-se também este vocábulo com o significado de «maneira habitual e constante de reagir, própria de cada indivíduo; índole, personalidade, temperamento» (Infopédia), e, sendo assim, uma pessoa «de/com mau caráter» é um indivíduo de má índole ou com mau temperamento. A palavra pode ocorrer também na aceção de «sentido ético; coerência; honestidade» (ibidem), e, portanto, uma pessoa «sem caráter» é uma pessoa «sem sentido ético, coerência, honestidade».

Acrescente-se que mau-caráter é adjetivo composto (com uso em contexto informal) com a mesma aceção dada a «pessoa com mau caráter/sem caráter»:

(1) «Ele é um sujeito mau-caráter» =  é um sujeito que tem um mau caráter.

 

1 Caráter é um substantivo que se grafa, de acordo com o

Pergunta:

A vossa entrada para a distinção entre afinal e «a final» não me parece contemplar a acepção particular que tem «a final» na linguagem jurídica e que suponho ser «por fim», «finalmente», «dito isto», «em conclusão».

Estarei errado?

Grato pela atenção.

Resposta:

O uso de «a final» como locução adverbal corresponde a um uso que se atesta no português do Brasil, em contexto jurídico, com o sentido dado pelo consulente – «por fim, finalmente, dito isto, em conclusão» (veja-se o que se diz aqui e aqui):

 (1) «Foi sentenciada, a final, a condenação do réu.»

Já em português de Portugal, não se encontra informação que documente este uso da expressão a final na área em apreço.

Na resposta em causa, a distinção entre afinal e a final não contempla efetivamente o uso de a final na linguagem jurídica, uma vez que se adota a perspetiva da variedade de Portugal.

Pergunta:

Espero que este e-mail encontre todos a gozar de boa saúde.

Escreve-se «o João morreu de fome» ou «com fome»?

Gostaria de obter a justificação das respostas.

Obrigado!

Resposta:

«Morrer de fome»1 (ou «morrer à fome») é uma expressão que inclui uma locução adverbial1 – «de fome» , isto é, uma sequência de valor adverbial que está dicionarizada com o sentido de «alimentar-se muito mal; não possuir nada do que é essencial à vida» (Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário do Português Contemporâneo).

Já «morrer com fome» inclui um grupo preposicional  «com fome» , isto é, um «grupo de palavras cujo constituinte principal é uma preposição [com] e que funciona como uma unidade sintática» (Dicionário Terminológico), surgindo como alternativa à expressão «morrer de fome».

Contudo, é de notar que as duas expressões podem ter leituras diferentes:

1. « O João morreu de fome»;

2. «O João morreu com fome». 

Em 1, pode assumir-se que a causa da morte do João foi a falta de alimentos. Já em 2, não obstante a leitura de a causa da morte ter sido a falta de alimentos, pode também dar-se outra interpretação: quando o João morreu, de uma causa  não explícita, sabia-se que ele tinha fome. O contexto é, pois, importante para se entender o que significa «com fome», dada a ambiguidade desta expressão.

 

N.E. — ...

Pergunta:

Mausoléu pode ser, nem que seja por extensão, um sinônimo de catacumba?

Resposta:

Comece-se por se analisar o que se diz nos dicionários acerca dos dois substantivos:

1. Mausoléu: «1. Monumento funerário onde foi sepultado Mausolo, em Halicarnasso, na Ásia Menor; 2. Monumento funerário sumptuoso; jazigo»1;

2. Catacumba: «Cavidade subterrãnea preparada para o enterro de cadáveres, das suas ossadas ou cinzas  = sepultura»1.

Ora, atendendo às definições apresentadas, não se pode assumir que mausoléucatacumba sejam sinónimos. No entanto, um mausoléu pode ter uma cripta (uma sala subterrânea onde se enterram os mortos), pelo que pode aceitar-se que cripta e catacumba são sinónimos. Nesta ótica, como cripta se aplica a parte do referente de mausoléu (este vocábulo é, portanto, holónimo daquele), é possível que em certos contextos catacumba ocorra como sinónimo de cripta e, por extensão, de mausoléu.

1 Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário do Português Contemporâneo.