Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A expressão correta é «tirar de esforço» ou «tirar desforço»?

Resposta:

A expressão correta é «tirar desforço».

Esta palavra pode ser encontrada em Abelhas Doiradas, de Júlio Dantas: «Não, tinha de tirar um desforço, um desforço que desse brado, tinha de lhe dar uma lição que lhe ficasse de memória» (cf. Corpus do Português, de Mark Davies)

Acresce que  desforço, substantivo masculino, está registado como «ato ou efeito de desforçar(-se) [de violência, injúria etc.]; desafronta, desagravo, vingança» (Dicionário Houaiss).

Quanto a «tirar desforço», é uma locução que significa «exercer/procurar desafronto, desagravo, vingança» (Ramalho, Énio. Dicionário Estrutural, Estilístico e sintáctico da Língua PortuguesaLivraria Chardron de Lello e Irmão – Editores, 1985). Os sinónimos vingança ou desforra têm, atualmente, uso mais corrente que desforço.

Pergunta:

Qual é o significado do provérbio «a aprendizagem da aranha, a mosca não precisa de saber»?

Resposta:

As aranhas são animais que demonstram grande capacidade de aprendizagem de estratégias para apanhar as suas presas que podem ser moscas. Ora, se as moscas não detiverem conhecimento sobre como a aranha engendra estratégias para as apanhar, então a missão de apanhar a sua presa será sempre bem sucedida. Este é uma interpretação possível de «a aprendizagem da aranha, a mosca não precisa de saber».

Esta frase não constitui um provérbio tradicional. Na verdade é a tradução de outra em língua francesa da autoria do poeta Henri Michaux (1899-1984): «L'enseignement de l'araignée n'est pas pour la mouche» (tradução livre: «o ensino da aranha não é para a mosca»). Trata-se de um aforismo, ou seja, como parece ser o caso, o mesmo que «enunciado curto, geralmente de carácter perentório e denso de significado, capaz de ser compreendido sem necessidade de recurso a outro texto, que serve de base a um estilo fragmentário que caracteriza certa escrita filosófica» (Infopédia).

Num sentido menos literal, esta máxima pode ser entendida como uma alusão à situação em que o desenvolvimento de uma pessoa pode ter condições que não se adequam a outra. Numa visão muito diferente, pode ser ainda interpretada assim: «para ter sucesso, não é preciso divulgar a maneira de o alcançar, sob pena de se perder vantagem sobre os outros.»

Pergunta:

O que significa a expressão «não tem nada que enganar»?

Resposta:

A expressão «não tem nada que enganar» ocorre, pelo menos, em Portugal (ver resultados de pesquisa Google), com significado equivalente à sequência «é muito fácil».

Apesar de não se encontrar registada em nenhum dos dicionários aqui consultados1, é uma expressão fixa muito utilizada no discurso informal. Nela, apesar do verbo enganar não figurar como pronominal, é usado com o sentido de enganar-se: «errar involuntariamente, agindo ou pensando de modo diferente do que se desejava ou se era capaz; equivocar-se» (Dicionário Houaiss). Portanto, imagine-se, num diálogo como:

         – Sabe indicar-me o caminho para o hospital?

         – Não tem nada que enganar... Vire à direita, depois....

O que se pretende dizer é que «é muito fácil/não tem como equivocar-se/não tem como errar».

A expressão já se atesta, por exemplo, na letra da canção Playback, da autoria de Carlos Paião (1957-1988) e que representou Portugal no Festival Eurovisão da Canção de 1981: «Só precisas de acertar/Não tem nada que enganar/ E, assim mesmo, sem cantar vais encantar/ Em playback...».

 

Pergunta:

O termo «espírito natalino», a palavra natalino é uma palavra do português de Portugal ou do português do Brasil?

Obrigada

Resposta:

Não se pode afirmar que natalino seja um adjetivo exclusivo do português do Brasil, apesar de ter uso mais corrente nesse país, enquanto em português de Portugal é mais comum o seu sinónimo: natalício. De facto, há usos mais sedimentados de um ou de outro adjetivo em territórios de língua portuguesa diferentes1, contudo, são ambos adjetivos das duas variantes do português.

Refira-se que natalino – atestado com o significado de «relativo ao Natal; próprio do Natal; natalício» (dicionário Houaiss) – é um adjetivo formado por sufixação: natal + -ino (sufixo com sentido de relação, origem, natureza).

Já o adjetivo natalício – «relativo ao dia do nascimento; referente ao nascimento» (ibidem) –, que pode também ser um substantivo, atestado com o significado de «o dia do nascimento» (ibidem) –, vem do latim natalicĭus ou natalitĭus, a, um. 

 

1 Resultados de pesquisa Google revelam que «

Pergunta:

«Em adição» é português vernáculo ou decalque do inglês («in addition»)?

Resposta:

«Em adição» é, efetivamente, um decalque do inglês in addition. Nesta língua, in addition usa-se como conector (= «além disso», «por outro lado»), e como locução prepositiva (in addition to = «além de», «para além de», «em complemento de»).

Exemplos*:

1. «Em adição, temos agora um conhecimento profundo sobre como desenvolver campanhas de marketing direto no futuro» («In addition, we have an insight into how to develop direct marketing campaigns in the future»  = «Além disso, ...»);

2. «Estas regras são em adição àquelas nas seguintes secções, que se aplicam a todos os veículos» («These rules are in addition to those in the following sections, which apply to all vehicles» = «em complemento daquelas...»).

* Exemplos retirados do site Linguee.