Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Em português, não é usual palavra com dois is seguidos sem que haja hífen... mas niilismo é exceção! Qual a justificativa?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

De facto, não há assim tantas ocorrências, em português, da sequência ii no interior de uma palavra, como acontece em niilismo

A razão para esta ocorrência está na origem da palavra. Neste caso, em concreto, a sequência ii em niilismo deve-se a um hiato, que é produzido pela transposição do latim ao português. Niilismo tem origem no francês nihilisme, que já estava em uso desde 1801 com o mesmo significado e era um derivado do latim nihil, «nada». No aportuguesamento de nihilisme, fez-se a adjunção do sufixo correspondente -ismo. Ora, em português, não há h no interior de vocábulos, «com exceção do seu emprego, como sinal diacrítico, nas combinações ch, lh, nh» (Formulário Ortográfico de 1911). Também o Formulário Ortográfico de 1943 (que vigorou no Brasil até 2009) atesta esta regra.

Um outro caso exemplificativo, em português, é o de xiismo, «ramo do Islão que considera Ali (genro de Maomé) e os seus descendentes como os únicos legítimos sucessores de Maomé, e está muito difundido no Irão e no Iraque». Aqui, a palavra tem origem no árabe chĩ'a, «partido», mas por via do francês chiisme, «xiismo». Neste caso, manteve-se a sequência ii do francês, por ser aceitável em português.

Note-se, ainda, que há formas superlativas de adjetivos em que pode ocorrer a sequência ii: seriíssimo, necessariíssimo – apesar da língua atual preferir seríssimo necessaríssimo (Celso Cunha e L...

Pergunta:

Como se deve dizer «por descargo da sua consciência» ou por «descargo de sua consciência»?

Grato do vosso trabalho!

Resposta:

Pode afirmar-se que as duas expressões apresentadas estão corretas. No entanto, há diferenças subtis entre o uso do pronome possessivo em Portugal e no Brasil.

Em português de Portugal, é mais comum que o pronome possessivo seja acompanhado de artigo definido, embora não seja obrigatório. Por isso, a frase:

(1) «por descargo da sua consciência» é perfeitamente aceitável e está de acordo com o uso mais frequente em Portugal.

Já em português do Brasil, a omissão do artigo definido antes do pronome possessivo ocorre com mais frequência, embora também não seja uma regra fixa. Dessa forma, é de supor que seja mais comum no Brasil ouvir-se ou escrever-se:

(2) «Por descargo de sua consciência». 

O termo <i>fanfic</i>
As narrativas escritas por fãs

Fanfic é um nome que se refere a um tipo de narrativa geralmente criada e partilhada por fãs na Internet, utilizando personagens ou universos de obras já existentes. Mas será que existe um termo equivalente em português? A esta pergunta responde a consultora Sara Mourato, num texto que aborda a origem e significado do nome fanfic

 

Pergunta:

Embatucar ou embatocar? Qual delas está correta ou ambas estão?

Obrigado.

Resposta:

De acordo com o Dicionário Houaiss, ambos os verbos, embatucar e embatocar, existem e são sinónimos. Estão registados com os seguintes significados: «tapar com batoque, batocar; (sentido figurado) fazer calar ou calar-se; deixar ou ficar sem ação ou resposta; (sentido figurado e de uso informal) ficar preocupado ou cismado.»

Quanto à formação dos verbos, embatocar resulta de em + batoque + -ar, enquanto embatucar deriva de em + batuque + -ar (Dicionário da Língua Portuguesa, Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

Qual pode ser a tradução para português dos termos ingleses biohacking ou biohack?

Desde já, obrigado.

Resposta:

Comecemos por perceber a que se referem estes termos: biohacking, ou biohack, é uma prática que consiste em combinar tecnologia e biologia, como por adição genética ou uso de medicamentos ou implantes, para explorar avanços científicos. Este termo inglês é formado pelo prefixo bio-, que exprime a ideia de vida, e hack(ing), que, aqui, significa «modificar» (ver dicionário inglês-português da Infopédia). Portanto, de forma sucinta, este termo refere-se a «modificar a vida». 

Não parece, portanto, que haja um vocábulo ou locução que, em português, tenham correspondência direta, a não ser a tradução acima sugerida, «modificar a vida», expressão que pretende enfatizar a ideia de manipulação ou alteração de processos biológicos. Porém, pode argumentar-se que esta tradução não captura completamente o conceito do termo inglês, além de que pode não facilitar a compreensão e a comunicação precisa sobre o tema. Por essa razão, uma abordagem adequada será manter o anglicismo biohack(ing), que deve ser grafado em itálico ou entre aspas para destacar o seu estatuto de estrangeirismo