Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Quando uma sigla cujo significado inclui um substantivo deve concordar com o artigo correspondente no/na.

Essa regra também é aplicada no caso de «com base em»? Por exemplo: «Elaboração própria com base no IBGE».

Ou deveria ser: «Elaboração própria com base em IBGE»?

Resposta:

IBGE é a sigla correspondente ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e, como a consulente corretamente aponta, quando a sigla representa um substantivo subentendido (neste caso, Instituto) que exige um artigo definido, deve-se utilizar o artigo correspondente: «o IBGE». Assim, a locução «com base» rege a preposição em, e, ao combinar-se com o artigo definido, resulta em «no IBGE». Portanto, a forma correta é: «Elaboração própria com base no IBGE».

Pergunta:

Quando dizemos que uma pessoa, que consideramos feia, é um camafeu (objeto de extrema beleza), qual é a figura de estilo que estamos a empregar?

Obrigado pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

Camafeu é uma «pedra preciosa de duas cores sobrepostas em que se esculpiu uma figura em alto-relevo» (Infopédia), mas este nome, como o consulente indica, usado de forma popular e pejorativa para nos referirmos a uma pessoa muito feia. Neste caso, a figura de estilo empregada é a ironia. 

A ironia ocorre quando se utiliza uma palavra ou expressão para dizer o contrário do que se quer realmente expressar, gerando um efeito de humor ou crítica. Nesse caso, o uso de camafeu para descrever uma pessoa feia é irónico, porque o termo carrega uma conotação de beleza e preciosidade, contrastando com a avaliação (negativa) feita da pessoa.

Os falares da ilha Terceira
Limpa-pingas, sueras e moquenca

Na ilha Terceira, especificidades lexicais e fonéticas, como a harmonização das vogais tónicas, reforçam a identidade local. Expressões populares, divulgadas por iniciativas como as da atriz Maria Duarte, revelam a riqueza cultural e linguística da região, sublinhando a importância dos falares açorianos como um grupo distinto no panorama da dialetologia portuguesa.

Pergunta:

Gostaria de saber se há um substantivo relacionado ao adjetivo insosso para que se possa usar em vez do adjetivo para expressar a qualidade ou estado de um alimento, por exemplo, que está insosso?

Obrigado.

Resposta:

Embora não haja um substantivo atestado que corresponda diretamente ao adjetivo insosso, existem termos relacionados que podem ser usados.

São casos:

– com base na forma erudita insulso, sinónimo de insosso, regista-se insulsez (cf. InfopédiaPriberam e Houaiss)1;

insipidez, que se refere à falta de sabor ou graça, sendo uma alternativa precisa (ex.: «A insipidez da comida era evidente»); 

sensaboria, que também indica a ausência de sabor (ex.: «a sensaboria do prato comprometeu a refeição»;

– e desenxabidez, substantivo associado ao adjetivo desenxabido, que, claro, pode ser usado para descrever algo sem graça ou insosso (ex.: «a desenxabidez daquele caldo não agradou ninguém»).

Com isso, os termos insipidez, sensaboria e desenxabidez oferecem opções para expressar, em forma substantivada, a ideia de algo que está insosso.

Contudo, e apesar de não encontrarmos dicionarizado "insossez", podemos, em teoria, considerá-lo um substantivo bem formado. Trata-se de um substantivo derivado, formado a partir de um adjetivo – insosso – que indica qualidade (Cunha, Cintra. Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 97).

 

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Pergunta:

Qual a etimologia do verbo "shipar" (no sentido de relacionamentos amorosos)?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

O verbo "shipar" é um aportuguesamento parcial de to ship, adaptado à conjugação verbal da língua (ex.: «eu shipo», «tu shipas», «ele shipa»). Mantém o significado original, que é «torcer por um casal» ou «desejar que duas pessoas ou personagens formem um relacionamento amoroso».

Em inglês, chega-se a to ship, de acordo com informação disponível na Wikipédia, a partir de relationshipper. Este termo foi criado por fãs de The X-Files nos anos 1990 para designar aqueles que acreditavam que os protagonistas Fox Mulder e Dana Scully deveriam envolver-se romanticamente. Posteriormente, foi abreviado para shipper, tornando-se amplamente utilizado entre fãs. Já a forma verbal to ship, que significa apoiar ou torcer por um relacionamento, foi registada pela primeira vez em 1998, conforme o Oxford English Dictionary.

Note-se que o verbo, em português, ainda não se encontra atestado nos dicionários, mas é muito utilizado pela Geração Z

Uma outra questão que importa aqui levantar é a grafia de "shipar". Acontece que esta pode levantar problemas, porque só derivados de nomes próprios podem manter a grafia estrangeira no radical (veja-se o que determina o Acordo Ortográfico de 1990).  Por isso, uma grafia mais aportuguesada poderia ser "chipar", mas esta tem a desvantagem de se confundir com chipar, «pôr chipe». Outra po...