Quando o português não parece suficiente, recorremos ao inglês para um appetizer ou talvez um pouco de awareness. Afinal, porque não usamos a nossa língua quando tal é possível?
Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.
Quando o português não parece suficiente, recorremos ao inglês para um appetizer ou talvez um pouco de awareness. Afinal, porque não usamos a nossa língua quando tal é possível?
Normalmente o verbo perguntar pede um complemento indireto. Por esta razão, perguntava se o verbo em causa pode reger a preposição destacada para: «O pai perguntou para aonde o filho ia.»
Cumprimentos
A sequência "para aonde" não está correta. Com perguntar, as formas corretas são «para onde» ou, simplesmente, aonde.
Quando perguntar é usado com construções interrogativas indiretas que envolvem o advérbio onde e fazem referência a uma deslocação com afastamento, há duas possibilidades:
(1) «O pai perguntou para onde o filho ia.»
(2) «O pai perguntou aonde o filho ia.»
Note-se que, em (2), o advérbio aonde é resultado da contração da preposição a com o advérbio interrogativo onde, indicando movimento em direção a um lugar (cf. Dicionário Houaiss). Neste caso, o verbo perguntar é compatível com o uso de aonde, sem necessidade do uso de outras preposições.
Mesmo assim, não podemos ignorar que, de facto, em contextos informais é comum ouvir frases como «O pai perguntou para aonde o filho ia», em lugar de «para onde o filho ia». Apesar de, na oralidade, ser corrente trocar onde por aonde, trata-se de uso inaceitável à luz da norma.
Gostaria de saber como devemos grafar: «O trabalho está bem-feito» ou «O trabalho está bem feito»?
Muito obrigada, desde já!
A grafia correta de bem-feito ou «bem feito» depende do contexto gramatical e semântico em que a expressão é utilizada, assim como do sentido que se deseja transmitir. Ambas as formas têm usos distintos e atendem a diferentes funções na língua portuguesa.
A forma bem-feito, com hífen, é empregada quando funciona como um adjetivo composto. Nesse caso, trata-se de uma unidade lexical que qualifica diretamente um substantivo, indicando que algo foi realizado de maneira correta, perfeita (Infopédia). Por exemplo:
(1)«O trabalho está bem-feito.»
Em (1) a expressão adjetiva bem-feito descreve o substantivo trabalho, atribuindo-lhe uma qualidade diretamente relacionada à ideia de esmero e perfeição.
Já «bem feito», sem hífen, ocorre quando bem é um advérbio que modifica o particípio feito. Neste caso, a relação entre as palavras não forma uma unidade lexical fixa. Por exemplo:
(2) «O trabalho foi bem feito.»
Neste caso, em (2), bem qualifica feito dentro de uma construção verbal, sem que as palavras formem um adjetivo composto.
É importante notar que em frases como a (2), temos uma passiva estativa, uma construção que reflete o estado ou a condição de algo que foi realizado, sem se preocupar com o agente. A passiva estativa pressupõe uma forma passiva verbal como «foi bem feito (por alguém)», cujos equivalentes na voz ativa seriam «alguém fez bem (alguma coisa)». Portanto, ao dizer-se «está bem feito», o foco está no estado do trabalho, que foi realizado de forma satisfatória, sem especificar quem o fez...
Na frase «Lembrou-se do conselho e curtiu consigo a sua dor», há pleonasmo na expressão «curtiu consigo»?
Muito obrigada!
Na frase «Lembrou-se do conselho e curtiu consigo a sua dor», retirada do conto Os Três Conselhos de Teófilo Braga, há, de facto, um pleonasmo na expressão «curtiu consigo».
O verbo curtir, no seu uso tradicional e figurado, já sugere uma vivência pessoal e introspetiva da experiência, ou seja, a ideia de sentir ou processar algo profundamente. Aqui, curtir significa «suportar, sofrendo, situações penosas, dores ou sensações desagradáveis» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). Já o pronome consigo reforça essa ideia, pois indica que a ação recai sobre o próprio sujeito, o que torna a expressão redundante, já que o verbo curtir já carrega essa noção de experiência íntima e pessoal.
No entanto, essa redundância não é um erro, mas sim uma escolha estilística do autor, que pode ter utilizado o pleonasmo para intensificar a reflexão interna e emocional da personagem. No conto, ao lembrar-se do conselho, o protagonista vê-se diante de uma situação de grande tensão emocional, e o uso de «curtiu consigo» serve para enfatizar que ele está a processar a dor de maneira intensa e silenciosa. Assim, apesar de ser pleonástico, o recurso estilístico do autor contribui para o impacto profundo do momento, sublinhando a introspeção da personagem e a sua luta interior diante de uma situação complexa.
Estará correta a expressão «mandato de captura»? Não, claro, mas, devido à aproximação fonética entre mandato e mandado, a pivô da CNN Portugal usou a palavra errada, não uma, mas quatro vezes.
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