Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Embatucar ou embatocar? Qual delas está correta ou ambas estão?

Obrigado.

Resposta:

De acordo com o Dicionário Houaiss, ambos os verbos, embatucar e embatocar, existem e são sinónimos. Estão registados com os seguintes significados: «tapar com batoque, batocar; (sentido figurado) fazer calar ou calar-se; deixar ou ficar sem ação ou resposta; (sentido figurado e de uso informal) ficar preocupado ou cismado.»

Quanto à formação dos verbos, embatocar resulta de em + batoque + -ar, enquanto embatucar deriva de em + batuque + -ar (Dicionário da Língua Portuguesa, Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

Qual pode ser a tradução para português dos termos ingleses biohacking ou biohack?

Desde já, obrigado.

Resposta:

Comecemos por perceber a que se referem estes termos: biohacking, ou biohack, é uma prática que consiste em combinar tecnologia e biologia, como por adição genética ou uso de medicamentos ou implantes, para explorar avanços científicos. Este termo inglês é formado pelo prefixo bio-, que exprime a ideia de vida, e hack(ing), que, aqui, significa «modificar» (ver dicionário inglês-português da Infopédia). Portanto, de forma sucinta, este termo refere-se a «modificar a vida». 

Não parece, portanto, que haja um vocábulo ou locução que, em português, tenham correspondência direta, a não ser a tradução acima sugerida, «modificar a vida», expressão que pretende enfatizar a ideia de manipulação ou alteração de processos biológicos. Porém, pode argumentar-se que esta tradução não captura completamente o conceito do termo inglês, além de que pode não facilitar a compreensão e a comunicação precisa sobre o tema. Por essa razão, uma abordagem adequada será manter o anglicismo biohack(ing), que deve ser grafado em itálico ou entre aspas para destacar o seu estatuto de estrangeirismo

Pergunta:

O elemento autor-, das palavras autorização, autoridade e autoritarismo tem a mesma origem (etimologia) do que auto-, prefixo de termos como automóvel, autodidática e autocontrole?

As formas autor- e auto- são cognatos na realidade?

Muitíssimo obrigado!

Resposta:

De acordo com o Dicionário Huaiss, o elemento de formação autor- constitui a evolução de outro elemento de formação, aug-, que possui raízes no latim augĕo, es, auxi, auctum, augēre, com o significado de «fazer crescer, aumentar, ampliar». A partir do século XIII atesta-se autor-, como radical semiculto, originário do latim auctor, ōris: «criador: o que faz crescer; fundador: o que constrói uma cidade; autor: o que apresenta, propõe uma lei; fiador, abonador: o que se encarrega de uma coisa em nome de outrem; possuidor: o que põe à venda». Daqui provêm palavras como autorização, autoridade e autoritarismo.

Por outro lado, o prefixo auto- é usado, de acordo com o mesmo dicionário, para formar palavras que se referem a coisas que se movem ou funcionam por si mesmas, como automóvel (que significa «que se move por si mesmo»). Este prefixo tem origem no grego autós-, «o próprio», e é amplamente utilizado em várias palavras em português e em outras línguas. No século XX, surgiram muitas palavras que usam este elemento, como os exemplos apresentados: automóvel, autodidática e autocontrole. Essas palavras têm em comum a ideia de que algo é feito ou opera de forma independente.

Pelo exposto, os prefixos autor- e auto- não são cognatos, não são formas que tenham evoluído de um mesmo termo originário (étimo), embora possam parecer similares à primeira vista.

O caso de <i>piscinável</i>
Um adjetivo no ramo imobiliário

Neste texto, a consultora Sara Mourato aborda o surgimento do termo piscinável em anúncios imobiliários em Portugal, utilizado para descrever terrenos com potencial para a construção de uma piscina. Embora o termo não esteja presente nos dicionários e não siga as regras tradicionais de formação de palavras na língua portuguesa, é eficaz e claro para o público.

 

Pergunta:

Venho por este meio tirar uma dúvida quanto à forma correta de escrever o verbo "dar" numa frase escrita que encontrei:

«Se tiveres que dar os passos certos, DÁ-OS convictamente.»

Nesta frase, "DÁ-OS" está bem escrito ou deveria ser "DÁ-LOS"?

Agradeço desde já, o vosso esclarecimento a esta questão com a respetiva explicação para o uso correto do verbo dar nesta frase!

Resposta:

A frase que apresenta está correta: «Se tiveres que dar os passos certos, dá-os convictamente».

Acontece que, se não tivéssemos o pronome do complemento direto, a frase seria:

1. «Se tiveres que dar os passos certos, dá os passos certos convictamente».

Portanto, o verbo dar, na segunda oração, está no imperativo, e, uma vez que não termina em -r, -s ou -z, não é necessário acrescentar um l ao pronome do complemento direto. 

Por outro lado, em casos em que o verbo termina em -r, -s ou -z, a regra é diferente: deve-se acrescentar um l ao pronome do complemento direto. Vejamos os exemplos a seguir:

2. Tu dás os passos convictamente» = «Tu dá-los convictamente»

Em 3, o verbo dar está na 2.ª pessoa do presente do indicativo e, como termina em -s, ao substituir-se o complemento direto «os passos certos» pelo pronome os, acrescenta-se o l para formar dá-los. O mesmo aconteceria se o verbo terminasse em -r ou -z.

3. «Vais dar os passos certos convictamente» = «Vais dá-los convictamente»

Aqui, o verbo dar está no infinitivo e, como termina em -r, ao substituir-se o complemento direto «os passos certos» pelo pronome os, acrescenta-se o l para formar dá-los. O mesmo aconteceria se o verbo terminasse em -s (como vimos em 2) ou -z.