Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Nas frases «Quanta alegria...»/«Que horror», posso classificar quanta e que como pronomes interrogativos, mesmo que não sejam seguidos de interrogação ou exclamação?

Resposta:

Na perspetiva da descrição gramatical brasileira, as palavras quanto (quanta) e que são consideradas pronomes interrogativos mesmo que ocorram em frases exclamativas.

A consulente parece pressupor que «quanta alegria..» e «que horror…» não podem ser considerados pronomes interrogativos se não forem seguidos de ponto de interrogação ou ponto de exclamação; no entanto, o contexto mais plausível para as palavras em apreço é, efetivamente, o exclamativo (ex.: «Quanta alegria sinto no meu coração!» ou «Que horror! Não diga isso!»). É também importante referir que, na Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967, quer quanto quer que são pronomes adjuntos, equivalentes aos pronomes adjetivos da Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1959. Porém, na terminologia usada mais recentemente em Portugal, considera-se quanto um quantificador interrogativo (cf. Dicionário Terminológico), e que, um determinante interrogativo, inserindo-se na subclasse dos determinantes interrogativos (idem), mas com valor exclamativo.

Pergunta:

Os números de zero a nove escrevem-se, por regra, por extenso. Quais são as excepções? Nomeadamente, para percentagens e para valores em divisas, escreve-se por extenso, ou o algarismo respectivo?

Muito obrigado.

Resposta:

Como se refere na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 945), a escrita dos numerais nos textos não é uma questão gramatical, mas, sim, uma questão estilística e de uso. Há, no entanto, alguns pontos que reúnem consenso, a saber:

1. Os numerais cardinais até dez e os numerais terminados em um ou mais zeros escrevem-se, normalmente, por extenso (ex.: «trezentos lápis» vs. «301 lápis») – exceto os numerais que ocorrem no início de frase ou de título (ex.: «Cento e cinquenta livros foram oferecidos à escola»).

2. Os numerais cardinais da ordem de grandeza das dezenas ou centenas de milhares ou de milhões costumam escrever-se com palavras e algarismos (ex.: «perdão fiscal custou 495 milhões em juros, coimas e custos»). Se não for exigido grande rigor, usa-se um numeral de valor aproximado: ao numeral 12 552 327 pode corresponder à expressão «cerca de 12,5 milhões» ou «cerca de 12 milhões e meio» ou ainda «cerca de 12 milhões e 552 mil»Note-se ainda que os chamados números muito grandes dividem-se em grupos de três algarismos, separados por um espaço. Até quatro algarismos não se usa espaço. 

3. Devem usar-se algarismos em percentagens, sobretudo quando contêm casas decimais (ex.: «12,5 % do volume de negócios»); nos quadros e enumerações, ou quando se comparam resultados estatísticos; em anos, meses, dias de idade ou de antiguidade (ex.: «tenho 30 anos e trabalho na empresa há 2 anos e 2 meses»); em datas e horas, exceto em deter...

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia da palavra brasileira nevasca, visto que em Portugal usa-se nevão para o mesmo fenômeno meteorológico. Me pergunto de onde vem a tal nevasca, já que, no Brasil, neve é um evento raro.

Resposta:

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa  (José Pedro Machado, 1973), o termo nevasca deriva de neve e está atestado desde 1873. O Dicionário Houaiss também descreve a palavra como um derivado de neve, a que se associou o elemento de origem obscura -asca. Cabe, no entanto, observar que -asca pode ser uma variação do sufixo –asco, «formador de palavras originalmente adjetivas» (idem), muito embora, neste caso, estarmos perante substantivo. Para uma perspetiva alternativa, refira-se que, para o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (em linha na Infopédia), o vocábulo em questão é uma amálgama das palavras neve e borrasca. Embora este dicionário não dê mais explicações, é de supor que, ao assumir-se que borrasca é «tempestade violenta e repentina, geralmente acompanhada de vento e chuva, de curta duração; furacão», se isole o elemento -asca e se lhe agregue o radical nev-, assim procurando sugerir uma tempestade não com chuva, mas com queda de neve. Quanto à palavra nevão, e segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, significa «grande nevada». Em suma, verificamos que as palavras são sinónimas, pois usamo-las quando nos referimos a uma tempestade de neve ou à queda (eventualmente abundante) de neve.

Relativamente ao emprego destas palavras nas duas variantes da língua, uma consulta do Corpus do Português confirma que n...

Pergunta:

Sempre tive a ideia de que a palavra rival tem uma conotação mais negativa do que a palavra adversário. Até encontrei uma frase que expressa essa ideia:

«O Sporting não é um rival mas, sim, um adversário, já que os adeptos dos dois clubes "grandes" até nutrem uma certa simpatia.»

Será que se leu nesta frase mais um pontapé na gramática? É que hoje, após uma pesquisa, já me parece que ambas têm afinal o mesmo significado. O que acham?

Obrigado.

Resposta:

Ao consultarmos o Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), verificamos que rival e adversário são palavras sinónimas, ou seja, semanticamente estas palavras têm (quase) o mesmo significado. Verificamos que, neste mesmo dicionário, a definição de rival vai ao encontro da definição de adversário, sendo rival definido como «que ou aquele que disputa com outro o amor de uma mesma pessoa; que ou aquele que rivaliza, que aspira às mesmas vantagens e oposições que outrem; êmulo, competidor, concorrente; que ou aquele que se equivale a outro em merecimento», e adversário definido como «que ou o que combate (contra outrem); antagonista, contendor; que se opõe; antagonista, opositor; competidor, concorrente, rival».

No entanto, na frase apresentada pelo consulente, «O Sporting não é um rival mas, sim, um adversário», estas palavras não se apresentam como sinónimos. Efetivamente, em alguns contextos, a palavra rival adquire uma conotação mais negativa relativamente à palavra adversário. Ao aplicar-se a palavra rival, dá-se ênfase à competição que está em jogo, desencadeando-se uma reação emocional negativa, enquanto adversário supõe uma competição mais pacífica. Esta diferenciação entre os sinónimos verifica-se, maioritariamente, em contexto desportivo.

Pergunta:

Estou a fazer um trabalho de Retórica sobre o discurso de Júlio César de Shakespeare e precisava de saber mais sobre as seguintes figuras: aposiopese, cleuasmo, hipotipose, paralipse.

Obrigado.

Resposta:

Segundo o Dicionário de Termos Literários (Massaud Moisés, Editora Cultrix, 2002), entende-se aposiopese como «silêncio súbito, interrupção, reticências»; a referida obra acresenta ainda: «[C]onsiste na suspensão de um pensamento já iniciado, por meio de corte repentino na cadeia sintática. Espécie de anacoluto consciente, a aposiopese assinala o momento em que o escritor interrompe bruscamente a sequência das ideias, 1) ao perceber que vai adiantar raciocínios ou surpresas, 2) quando pretende dar ênfase às palavras, ou 3) quando se dá conta de que vai dizer mais do que deseja. No geral, a aposiopese evidencia-se, graficamente, pelas reticências, mas nem todo sinal suspensivo denota a presença deste recurso estilístico» (exemplo: «Esse homem era… esse homem era… esse homem tinha sido…», Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, 1844, ato II, cena XIV).

Por hipotipose, o mesmo dicionário considera que «ocorre quando, nas descrições, se pintam os fatos de que se fala como se o que se diz estivesse realmente diante dos olhos», juntando o seguinte esclarecimento: «[Trata-se de] uma figura em que concorrem a descrição e a narração no mesmo ato discursivo, guardando cada uma delas as suas características distintivas. Se no quadro pictórico o olhar capta de um só golpe os traços que representam a ação e a descrição, no texto literário, as frases indicativas do movimento narrativo, bem como os pormenores descritivos, podem ser captados na sua identidade própria, integrando o mesmo contexto verbal» (exemplo: «Lesta e loura, vejo-a subindo os patama...