Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
103K

Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual o significado e qual a família de palavras de peculato?

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), a palavra peculato, que tem a variante peculado (Dicionário Online Michaelis), provém do latim peculātus,us («peculato, furto do dinheiro público») e significa «crime que consiste na subtração ou desvio, por abuso de confiança, de dinheiro público ou de coisa móvel apreciável, para proveito próprio ou alheio, por funcionário público que os administra ou guarda; abuso de confiança pública».

Atendendo à sua raiz latina, pecu- (cf. idem), inclui-se na família de palavras como: peculador, com o significado de «aquele que pratica peculato»peculatário, «relativo a peculato»; peculiar, «referente a pecúlio, que é predicado de algo ou de alguém; próprio»; pecuniário, «relativo a dinheiro, que consiste ou é representado em dinheiro»; pecuária, relacionado com a «atividade que trata de todos os aspetos da criação do gado».

Pergunta:

Sempre aprendi assim, mas agora fico com a dúvida sobre a grafia correcta. Existe ou não diferença na escrita (já que a fonética difere) entre:

«Sabe de cor» – onde cor se lê "cór";

«Amarelo é a minha cor» – onde cor se lê "côr"?

Obrigado.

Resposta:

 As palavras cor, nas duas aceções que o consulente apresenta, classificam-se por homógrafas, tendo estas palavras a mesma grafia, mas pronúncia e significado diferentes.

Segundo o Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001), a palavra cor na expressão «saber de cor» é um diacronismo antigo que tem origem no latim cor, cordis, e significa «de coração». Em locuções como «saber de cor», entende-se «de cor» como «de memória». Por seu turno, a palavra cor em «amarelo é a minha cor» tem origem no latim color, coloris, com o significado de «cor, tinta, tom».

Tal como o exemplo apresentado, é comum encontrarmos palavras homógrafas em português que podem causar dúvidas em relação à sua grafia, como, por exemplo, «come uma colher de arroz» e «eu vou colher maçãs», pronunciando-se o e de colher como "ê" na segunda frase; ou «eu não me molho» ou «o molho estava bom», correspondendo molho a "mólho" no primeiro exemplo, e "môlho" no segundo.

Pergunta:

O que significa a palavra assassino?

Resposta:

Semanticamente, segundo o Dicionário Houaiss (2001, versão eletrónica), assassino é o «indivíduo que comete homicídio; homicida; indivíduo que extermina (algo), que causa perda ou ruína». De acordo com o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (J. P. Machado, Livros Horizonte, 1977, p. 333), a palavra assassino deriva do árabe haxāxī, «do haxixe; que usa, bebe, ou fuma haxixe», designação dos membros de uma seita muçulmana que cometiam crimes depois de consumirem uma mistela preparada com haxixe. Este vocábulo tem o seu primeiro registo em língua portuguesa em documentos que remontam ao século XVI, e terá surgido por empréstimo do italiano no século XIII.

Pergunta:

Na expressão, por exemplo, «chapéu de palha», como se classifica, morfológica e sintacticamente, o grupo «de palha»?

Claro que palha também é um substantivo, mas aqui, com o de, está a qualificar o chapéu, a determinar o tipo de chapéu. Não parece que seja atributo nem aposto... de sujeito ou de complemento...

Obrigado.

Resposta:

Na expressão apresentada pelo consulente, o grupo «de palha» é um grupo preposicional que tem a função de modificador nominal referente a matéria.

Os modificadores dos nomes não se resumem aos adjetivos, podendo ser realizados por grupos preposicionais («o homem de bigode») e orações subordinadas adjetivas («o homem que tem bigode») – cf. Dicionário Terminológico, destinado a apoiar o estudo da gramática nos ensinos básico e secundário em Portugal. Assim, em expressões como «chapéu de palha», verificamos que o grupo preposicional introduz propriedades adicionais ao nome («chapéu») restringindo o seu sentido e dando-lhe maior precisão. É importante ressaltar que, na mesma expressão, se associa à função de modificador do nome (também complemento circunstancial na terminologia tradicional portuguesa) um valor semântico de matéria, ou seja, neste caso, o material de que é feito o chapéu em referência.

Note-se que o termo «modificador do nome», que faz parte do DT, é geralmente equivalente ao termo «complemento circunstancial» (neste caso, de matéria) na terminologia anterior, a da Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967. O termo «adjunto adnominal» é usado nos mesmos casos por Celso Cunha e Lindley Cintra, seguindo a terminologia gramatical brasileira, para designar o adjetivo ou o constituinte de valor adjetival («locução adjetiva») com a função de especificar ou delimitar o significado de um substantivo (Nova Gramát...

Pergunta:

Muito embora tenha procurado em diversas fontes, foram todos os meus esforços infrutíferos. Gostaria de saber qual é a origem da expressão «bota faladura».

Agradecido.

Resposta:

Tal como o consulente, na sequência da minha pesquisa e mediante os materiais de que disponho, não encontro informação que esclareça o momento histórico em que a expressão foi criada. Apesar disso, verifica-se que a expressão «botar faladura» está atestada no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões (Lisboa: Publicações D. Quixote, 2000), com o sentido de «fazer um discurso».

Note-se que faladura é sinónimo de discursata, «discurso longo e de pouco valor», tendo, portanto, sentido jocoso e depreciativo (cf. Afonso Praça, Novo Dicionário de Calão, Lisboa, Casa das Letras, 2005). Quanto a botar, é importante ressaltar que, atualmente, a frequência do verbo é díspar nas variantes do português europeu (PE) e português do Brasil (PB), facto que se comprova com base na ocorrência do item em corpora das duas variedades (ver Linguateca). O verbo botar é frequente em linguagem comum do PB e usado no sentido de «colocar, deitar, pôr», apesar de, numa linguagem mais cuidada, ser substituído pelos seus sinónimos. Já em PE, a sua utilização é menos frequente do ponto de vista normativo, sendo, neste caso, substituído por sinónimos como deitar, pôr ou colocar, embora, intuitivamente, seja encarado característica dialetal, associada a dialetos setentrionais de Portugal.1

1 No PE, «o verbo botar surge pontualmente apenas nas lexias com um certo grau de fixidez, em que se observam usos não literais, mas metafóricos» [Batoréo, Hanna. "