Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A expressão «... País de Gales...» está correcta ou errada? Pode-se escrever sem o artigo neste caso específico?

«Não estou a ver a Inglaterra a jogar contra País de Gales sem sofrer.»

Obrigado

Resposta:

É necessário escrever o artigo definido masculino antes do nome geográfico Pais de Gales para a frase ficar correta: «Não estou a ver a Inglaterra a jogar contra o País de Gales sem sofrer.» Somente em títulos, como «Bélgica vence País de Gales», se poderá omitir o artigo. Observe-se, contudo, que, de maneira abreviada, também se usa somente o nome Gales, que, neste caso, ocorre sem artigo definido, como, aliás, a própria sequência «o País de Gales» indica: «Em Gales, fala-se galêsGalês, no masculino, e galesa, no feminino, é igualmente o gentílico correspondente.

 

N.E. – Sobre a origem da forma Gales, cf. Portugal e Gales, para além do futebol.

Pergunta:

Como é que posso distinguir um quantificador existencial de um advérbio de quantidade/grau? Por exemplo, o muito faz parte das duas classes?

Resposta:

A palavra muito é um quantificador quando se combina com um nome: «muito pão». É um advérbio quando modifica um verbo («ler muito»), um adjetivo («muito grande») ou um advérbio («muito rapidamente»).

O Dicionário Terminológico considera que o quantificador existencial é «utilizado para asserir a existência da entidade designada pelo nome com que se combina sem remeter para a totalidade dos elementos de um conjunto ou para expressar uma quantidade não precisa ou relativa a um valor considerado como ponto de referência». Assim, quando dizemos «muitos alunos faltaram ao teste» (do conjunto de alunos considerados, muitos faltaram ao teste), muitos é, no exemplo, um quantificador existencial.

O mesmo dicionário considera ainda que um advérbio de quantidade/grau, por seu turno, «contribui com informação sobre grau ou quantidade, que pode ocorrer internamente ao predicado ou como modificador de grupos adjetivais ou adverbiais», acrescentando que «alguns destes advérbios são utilizados para a formação do grau dos adjetivos e advérbios.» No exemplo «os rapazes comeram muito», o advérbio de quantidade/grau muito ocorre internamente ao predicado.

«As

«(...) o FC Porto soma até agora 13 derrotas, situando a época 2015 entre as mais piores da história do clube.»

[jornal “Público”, 12/04/2016]

 

O mau emprego do comparativo de superioridade do adjetivo mau1 ou do advérbio mal é dos deslizes mais recorrentes na imprensa portuguesa, anos e anos a fio...

(...)

Pergunta:

Gostava de saber a justificação para o plural do nome composto "paz-de-alma" ser "paz-de-alma", e "não pazes-de-alma".

Resposta:

O plural de paz de alma é pazes de alma (com o Acordo Ortográfico de 1990, as locuções deixaram de se grafar com hífen).

Sabemos que ao utilizarmos a locução não estamos a dizer que é uma paz que é alma, nem uma alma que é paz, mas, sim, que estamos perante uma pessoa que se caracteriza por ser pachorrenta, bonacheirona ou indolente. Estamos perante um caso em que o segundo elemento, alma, restringe a significação do primeiro, paz, ou seja, é como se fosse um complemento de determinação do primeiro, limitando-o. Assim, nestes casos, somente o primeiro substantivo pluraliza.

É igualmente de referir que o plural pazes de alma está registado em dicionários e vocabulários ortográficos; por exemplo, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e no Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa do Instituto Internacional da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Tendo em conta que a palavra fautor tem como correspondente feminino a palavra fautriz, gostaria muito de saber porque não sucede o mesmo com a palavra – quase homónima e rigorosamente sinónima – factor, ou, caso suceda, qual a correspondente feminina.

Obrigado.

Resposta:

Antes de mais, importa referir que fautor não é sinónimo de factor (fator na nova grafia). Segundo o Dicionário Houaiss (2001), fautor significa «que ou que favorece; que ou o que apoia, partidário; que ou o que protege, defensor», enquanto factor está atestado com o significado de «aquele que determina ou executa algo; qualquer elemento que concorre para um resultado». Assim, dizer «o fautor de um crime» não é o mesmo que dizer «o factor de um crime».

Relativamente à inexistência de feminino para o substantivo factor, a justificação prende-se com o facto de este substantivo se aplicar geralmente a coisas ou entidades abstratas, para as quais não se requer o contraste de género (ex.: «O factor estabilidade tem uma dimensão extrema no caso»). O mesmo não acontece com fautor. Este substantivo varia em género, fautriz, porque se aplica a seres humanos (ex.: «O presidente, fautor da equipa de futebol, relatou os acontecimentos»).