Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
103K

Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria muito de saber se existe algum vocábulo que signifique rigorosamente «não vivido», e que não seja semanticamente similar a inédito, inaudito.

Obrigado.

Resposta:

Apesar de pouco comum, regista-se o substantivo invivido, que significa, efetivamente, «que não foi vivido, não vivenciado» (Dicionário Houaiss, 2001).

Este adjetivo é formado pelo prefixo in-, do latim in-, que significa «privação, negação» (idem), associado a vivido; portanto, ao utilizarmos a expressão invivido, falamos da privação de viver alguma coisa ou não ter experiência dela. O adjetivo é ainda formado pelo adjetivo vivido

Pergunta:

A palavra ranque existe em nosso dicionário, ou devemos utilizar a palavra inglesa ranking (em itálico) em nossos textos?

Resposta:

Ambas as palavras, ranking e ranque, estão atestadas no Dicionário Houaiss. No entanto, não surgem como sinónimo uma da outra: ranque designa «posição numa hierarquia, numa contagem de pontos», e ranking significa «formação ou listagem (de pessoas, órgãos, etc.), classificação ordenada de acordo com critérios determinados» (Dicionário Houaiss, 2001). Ou seja, deduzimos que ranque seja a posição de um sujeito num determinando ranking, e, por isso, uma palavra não substitui a outra.

 

É de referir, ainda, que Maria Helena Moura Neves, em Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora UNESP, 2003), observa que, apesar de o uso de ranking estar generalizado, existe um termo vernáculo equivalente: classificação. Da mesma forma, o Dicionário Houaiss salienta que colocação, nível, classe, posto, etc. são palavras equivalentes a ranque e, por isso, este termo é um aportuguesamento desnecessário.

Pergunta:

«Uma descoberta desta importância deve estar rodeada do mais absoluto segredo!»

Em que grau se encontra o adjetivo absoluto? Para mim e alguns colegas, o adjetivo está no grau superlativo relativo de superioridade, mas nas soluções do exercício diz que está no grau normal.

Será que é um erro?

Resposta:

Tal como o consulente e os seus colegas afirmam, trata-se do grau superlativo relativo de superioridade, porque a propriedade de este segredo ser absoluto se apresenta em maior grau comparativamente com outros: «… mais absoluto segredo.» Para se dizer que estamos perante um adjetivo no grau normal, teríamos de ter uma afirmação como: «Uma descoberta desta importância deve estar rodeada de segredo absoluto.»*

Deve esclarecer-se que o uso de absoluto no comparativo e no superlativo tem fortes restrições semânticas, como os exemplos a seguir sugerem (o ? indica que a frase revela problemas quanto à sua aceitabilidade):

1 – ?«O segredo desta descoberta é mais absoluto do que o segredo desse invento.»

2 – ?«O segredo desta descoberta é o mais absoluto de todos.»

3 – ?«Este segredo é muito absoluto/absolutíssimo.»

Em 1, 2 e 3, nota-se certa redundância, porque um segredo absoluto é já o máximo segredo, ou seja, é já um segredo a que se associa uma propriedade superlativa e absoluta. Este comportamento de absoluto aproxima-o de duas subclasses de adjetivos que a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013. pág. 1415) denomina adjetivos avaliativos e modais, entre os quais existem alguns que não são graduáveis (isto, é não são compatíveis com as construções dos graus comparativo e superlativo): «Existe [...] um número considerável de adjetivos avaliativos, incluindo fantástico, magnífico, maravilhoso e horrível, entre outros [...] que já exprimem a ideia de um grau de avaliação extremo – por outras palavr...

Pergunta:

Em qual das frases seguintes o verbo ver está conjugado corretamente?

«O céu está limpo, pois não se veem nuvens.»

«O céu está limpo, pois não se vê nuvens.»

Obrigada.

Resposta:

Estamos perante uma frase na voz passiva, marcada pelo pronome apassivador se, e, como tal, o verbo deve concordar com o sujeito, que neste caso são as nuvens. Assim sendo, a frase correta seria: «O céu está limpo, pois não se veem nuvens.»

Repare-se que a frase equivale ao uso do verbo na chamada voz passiva: «não são vistas nuvens».

Acrescente-se que, se alterarmos a ordem dos elementos da frase, percebemos qual a forma verbal correta a utilizar:

1. «As nuvens não se veem»;

2. *«As nuvens não se vê.»

A frase 2 não permite o uso do verbo ver na terceira pessoa do singular.

 

OBS.: Ressalta-se que certas gramáticas (ver Textos Relacionados) aceitam que o verbo fique na terceira pessoa do singular se a partícula se tiver função de índice de indeterminação de sujeito, ou seja, estarmos perante um sujeito indeterminado. Trata-se de uma perspetiva que a gramática mais tradicional não aceita.

Pergunta:

Li neste site que a abreviatura de número se escreve com ponto, assim: n.º Essa forma vale para o Brasil? Nunca vi a utilização por aqui (sou brasileiro) destas formas, como: 1.º, 3.ª, n.º, etc. Escrevemos todos errados por aqui? Ou nesse ponto não há unificação entre nossas gramáticas?

Resposta:

Em português,  para indicar que se trata de uma abreviatura, utiliza-se, sempre, o ponto abreviativo – em Portugal, como no Brasil. Como já foi aqui anteriormente esclarecido, este ponto indica que houve supressão de letras, sendo por isso indispensável a sua colocação em qualquer abreviatura, seja de um numeral ou de uma palavra (o que não acontece já com a grafia dos símbolos). Assim, escrevemos 1.º (para primeiro), 2.º (para segundo), n.º (para número), s. f. f. (para se faz favor), Sr. (para Senhor), entre outros exemplos.

Refira-se que, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (VOLP da ABL), a abreviatura em apreço não exibe a letra em expoente: n.o.* A mesma fonte apresenta também n., N.o e num. como abreviaturas de número.* É de frisar, porém, que todas as abreviaturas exibem o ponto abreviativo.

* É provável que se trate de gralha, em lugar da forma correta, n.º, porque nos jornais brasileiros a abreviatura aparece por regra com a vogal sobrescrita. Mas, sobre o ponto abreviativo e o sobrescrito, convém dizer que nos textos brasileiros se observa um uso nem sempre sistemático. Recordem-se as considerações do gramático brasileiro Napoleão Mendes de Almeida (NMA), no seu Dicionário de Questões Vernáculas (Rio de Janeiro, Editora Ática, 4.ª edição, 2001), nas quais o ponto abreviativo ...