Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Se uma pessoa teve um acidente e ficou com a mão "esfarrapada", é correto dizer que essa pessoa tem a «mão desfigurada»? Ou como nos devemos referir?

Obrigada.

Resposta:

No contexto informal, quando alguém diz que a mão ficou «esfarrapada» depois de um acidente, a ideia é transmitir que ela ficou muito ferida, dilacerada, em carne viva.

Se se usar o adjetivo desfigurado neste contexto, ou seja, dizer que «a mão ficou desfigurada», tem de se entender que este adjetivo se aplica mais naturalmente ao rosto ou a partes do corpo associadas à aparência estética. Contudo, usá-lo para a mão soa menos habitual, embora não seja errado em sentido amplo, já que a mão também perdeu a sua forma original.

Em alternativa, termos como esfacelada, estropiada, mutilada ou dilacerada são mais para transmitir a gravidade do ferimento: esfacelada sugere que a mão ficou em pedaços, despedaçada; estropiada já carrega a ideia de perda permanente (mutilação), mesmo que não seja total, mas envolvendo a perda de uma parte da mão; mutilada é mais direto e objetivo, indicando perda ou destruição de parte da mão; e dilacerada reforça a ideia de carne rasgada ou aberta.

<i>Aura</i>: do futebol à política
Sentido e uso na língua portuguesa

Por estes dias, tem chamado a atenção a palavra aura em dois contextos distintos: no futebol, para falar de Mourinho, e na política, para referir professores. A pergunta que se coloca é: como é usada aura no português contemporâneo? E que sentidos ou valores simbólicos transporta além do literal? É sobre estas questões que Sara Mourato reflete neste texto, analisando a origem, os usos e a dimensão simbólica da palavra.

 

Pergunta:

No final da frase «Aproveito para questionar se é necessário retirar os veículos do interior das garagens individuais», devo colocar um ponto final ou um ponto de interrogação?

A mim parece que devo colocar um ponto final, mas fica sempre uma duvidazinha no ar...

Obrigada.

Resposta:

No caso da frase «Aproveito para questionar se é necessário retirar os veículos do interior das garagens individuais», trata-se de uma interrogativa indireta e, por isso, deve terminar com ponto final. É diferente de uma pergunta direta («É necessário retirar os veículos?»), pois aqui a questão está incorporada na frase e não exige entoação interrogativa.

Esta interrogativa indireta é uma oração subordinada que começa por se e depende do verbo questionar. Nas interrogativas indiretas, como esta, não se usa ponto de interrogação no final. Por contraste, uma interrogativa direta mantém a entoação de pergunta e o ponto de interrogação: «É necessário retirar os veículos do interior das garagens individuais?»

Pergunta:

Uma vez que paquiderme é um nome masculino quando nos referimos a um espécime dos paquidermes, tratando-se de uma elefanta (feminino), a formulação correta será «um pequeno paquiderme» e não «uma pequena paquiderme».

Agradeço a vossa confirmação.

Resposta:

"Uma pequena paquiderme" sugere que paquiderme é feminino, o que não é sustentado pela norma padrão do português, pois paquiderme constitui um substantivo epiceno, i.e., «designa um ser animado não humano e que possui apenas um género, independentemente do sexo da entidade referida» (Infopédia). 

De facto, os dicionários registam paquiderme apenas como substantivo masculino. Isto significa que, embora possa designar tanto um macho como uma fêmea desse grupo de animais (elefante, rinoceronte, hipopótamo, etc.), a palavra mantém sempre a flexão gramatical masculina.

Assim, a forma correta é «um pequeno paquiderme», mesmo que estejamos a falar de uma elefanta. Constitui caso idêntico a outros substantivos masculinos epicenos ou comuns, que não variam em função do sexo do animal: por exemplo, dizemos «um crocodilo» ou «um gorila», independentemente de se tratar de macho ou fêmea.

Se for relevante assinalar o sexo do espécime, a norma prevê que se acrescente macho ou fêmea: «um pequeno paquiderme fêmea».

A vereadora que se desdemitiu
Sobre a formação do verbo desdemitir

Em referência a um episódio insólito em Coimbra, em que uma vereadora anunciou a demissão e depois voltou atrás, surgiu o verbo desdemitir. Formado pelo prefixo des- e o verbo demitir, sugere a anulação do ato de demitir. Estará o mesmo bem formado? A esta pergunta responde a consultora Sara Mourato, num texto acerca da formação de verbos que, não sendo recorrentes, exprimem a ideia de separação, afastamento, ablação, ação contrária, de cima para baixo, intensidade ou reforço.