Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Quando eu te encarei frente a frente não vi o seu rosto.»

Está correta a frase acima, ou tem vírgula? Onde? Por quê?

Resposta:

Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 645, emprega-se a vírgula «para separar as orações subordinadas adverbiais, principalmente quando antepostas à principal».

Tendo em conta que o exemplo apresentado pelo consulente integra uma oração subordinada adverbial temporal anteposta à principal – «Quando eu te encarei frente a frente» –, julgo que será ajustado colocar a vírgula antes da oração principal: «Quando eu te encarei frente a frente, não vi o seu rosto.»

Será ainda pertinente notar que no Dicionário Terminológico e na Gramática da Língua Portuguesa, de Mateus e outros, esta é uma regra sistematicamente adotada.

Já agora, se o consulente me permite, farei apenas um breve reparo relativamente ao uso concomitante dos pronomes te e seu, que me parece poder ser gerador de alguma ambiguidade semântica. Repare-se que, na ausência de um contexto mais limitativo, podemos ser levados a considerar errado o enunciado proposto, já que o uso da forma mais informal te parece não se coadunar, à primeira vista, com a eventual formalidade do pronome seu, a não ser que este último se refira à presença de uma outra pessoa. Assim, do meu ponto de vista, e tendo em conta o exposto, julgo que a frase, tal como se encontra formulada, isto é, sem um contexto mais alargado, pode apresentar os seguintes desdobramentos interpretativos:

1) «Quando eu te encarei frente a frente, não vi o seu (= teu) rosto» (sendo que, neste caso, creio que seria preferível optar por «Quan...

Pergunta:

Com a entrada em vigor da Nova Terminologia, aparecem-nos os quantificadores numerais. Ex.: «Tenho cinco livros.»

A minha dúvida é a seguinte: qual a classe a que pertence o numeral dois na frase «Eu tenho cinco livros e ele tem dois»?

Se os quantificadores passam a pronomes quando não ocorrem junto do nome, poder-se-á dizer que dois é um pronome? E qual a sua subclasse?

Num dos manuais que vou utilizar este ano, aparece a palavra dois como sendo um quantificador numeral. No entanto, os quantificadores ocorrem quase sempre antes do nome.

Uma outra dúvida, muito parecida, relacionada com os adjectivos numerais: Qual a classe da palavra segundo na frase «O primeiro livro era bom. O segundo nem por isso»?

Resposta:

De acordo com Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 360, «os quantificadores podem [...] surgir com elipse nominal, isolados ou combinados com outros elementos», ex.: «Encomendei cinco livros, mas chegaram só dois [...] até agora» (leia-se também esta resposta). Creio, portanto, que é exatamente este o caso do enunciado em análise. Assim, respondendo diretamente à questão apresentada pela consulente, dois, na frase «Eu tenho cinco livros e ele tem dois [livros]», é, igualmente, um quantificador numeral (ou «discreto», como sugerem Mateus e outros, idem, p. 356, na linha de uma proposta de Óscar Lopes).

Ainda segundo Mateus e outros, idem, p. 360, «a quantificação pode também ser dada por pronomes» (ex.: alguém, ninguém, tudo, nada). Note-se que esta observação é compatível com a definição de «pronome indefinido», proposta pelo Dicionário Terminológico (DT): «Pronome que admite variação em género e número, correspondente ao uso pronominal de um quantificador ou de um determinante indefinido», ex.: «[Alguém] bateu à porta»; «Ele comeu [tudo]»; «[Ninguém] lhe telefonou»; «[Todos] vieram à festa»; «Tu compraste muitos livros, mas eu só comprei [alguns]».

No que diz res...

Pergunta:

«Comunicações sem fios», ou «comunicações sem fio»?

«Dia sem carros», ou «dia sem carro»?

São estas as minhas dúvidas.

Resposta:

Julgo que não haverá nenhuma regra oficial que obrigue ao uso de uma ou de outra formulação.

No que se refere ao primeiro exemplo sugerido pelo consulente – «comunicações sem fios», ou «comunicações sem fio»? –, se consultarmos, por exemplo, as ocorrências do corpus CETEMPúblico, reparamos que as duas propostas são utilizadas com o mesmo grau de frequência, sendo que muito dificilmente podemos afirmar que uma é mais usada do que a outra. Notamos, aliás, que surgem ocorrências contextualizadas de uma outra opção, ainda que de uso menos basto, isto é, «comunicação sem fio». Se passarmos os olhos, por exemplo, pelos sítios oficiais das três operadoras de telecomunicações móveis portuguesas, observamos que a TMN e a Optimus optam pela terminologia «comunicações sem fios», ao passo que a Vodafone parece preferir a designação «tecnologias de comunicação sem fios».

Valerá ainda a pena dizer que o Dicionário Priberam, no que diz respeito à área da informática, regista o uso preferencial da expressão «sem fios».

Relativamente à segunda proposta – «dia sem carros», ou «dia sem carro»? –, observamos que a designação oficial desse dia, que costuma ter lugar no mês de setembro, é «Dia sem Carros», em Portugal, e «Dia sem Carro», no Brasil, por exemplo. O efeito acaba por ser o mesmo, pois, neste caso, o uso do singular não remete para nenhum carro em particular, mas, sim, para o carro enquanto, digamos, objeto universal.

Pergunta:

Muito agradeço esclarecimento de dúvida sobre o verbo aguardar. Devo empregar a preposição por, ou o artigo?

Ex.: «Aguardo por um comboio menos cheio», ou «Aguardo um comboio menos cheio»?

Creio que a segunda frase estará correcta, mas tenho visto e ouvido tantas vezes a primeira, que me assaltou a dúvida.

(Texto escrito ao abrigo da ortografia pré-acordo.)

Resposta:

Neste contexto concreto, o verbo aguardar significa «esperar» (Dicionário Priberam).

Deste modo, julgo que os dois enunciados propostos pela consulente estarão corretos, tal como se pode confirmar, por exemplo, no Dicionário Houaiss: «aguardava o momento»; «aguardava por melhor oportunidade». Porém, no primeiro caso – «Aguardo por um comboio menos cheio» –, o verbo é transitivo indireto, e, no segundo – «Aguardo um comboio menos cheio» –, transitivo direto.

Pergunta:

Qual é a função sintática de «a uma conclusão» na frase «Chegamos a uma conclusão»?

Resposta:

Neste caso concreto apresentado pelo prezado consulente, o verbo chegar surge como transitivo indireto, sendo que o constituinte «a uma conclusão» assume aqui a função sintática de complemento oblíquo, isto é, «um complemento selecionado pelo verbo» (Dicionário Terminológico), cuja ausência gerará inevitavelmente, no contexto em análise, agramaticalidade no enunciado. Ex.: «O João mora [aqui].»