Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A propósito da resposta «Sobretudo, eu imagino que...», recordo que sobretudo significa aqui acima de tudo. Deverá preceder o verbo, pois é como que um ponto prévio que diz respeito a toda a frase (e não apenas ao predicado), não devendo colocar-se entre o predicado (imagino) e o complemento directo (a oração integrante que se vai seguir, iniciada por “que”). Se se quiser colocá-lo após o verbo, então deverá ser isolado por vírgulas, de modo a que o predicado não fique separado do complemento directo.

Sendo assim, ao contrário do que responde Maria Regina Rocha, acho que a frase do consulente («Eu imagino sobretudo que...») pode ser considerada correcta.

O próprio Ciberdúvidas (in «Expressões adverbiais e o uso da vírgula», resposta de Teresa Álvares) cita Sá Nogueira: «Os advérbios pospõem-se em regra aos verbos, mas também podem antepor-se, e, quer num caso quer no outro, nunca se separam por vírgulas, a não ser quando haja alguma intercalação.»

Na frase em questão, penso que o uso (ou o não uso) da vírgula dependerá daquilo que se quiser dizer. Como não temos contexto, não saberemos qual será a melhor forma, pelo que dificilmente poderemos avançar com algumas «formas correctas» e excluir dessa adjectivação outras formas que poderão ser igualmente correctas.

Assim, é possível encontrar situações em que o uso da vírgula que nos sugere a Regina deturpa a ideia que se quer passar. Exemplos:

Se eu quiser dizer que há algumas pessoas a imaginar um mundo melhor, mas que quem se destaca mais nesse sonho sou eu, digo:
«Sobretudo eu imagino que o mundo pode ser melhor.» O José não liga muito a isto, a Ana interessa-se um pouco, mas sou sobretudo eu (sem vírgula) quem imagina que o mundo pode ser melhor.

Outro exemplo: Há p...

Resposta:

São muito interessantes, prezado consulente, as considerações que faz a respeito do emprego do advérbio sobretudo, e concordo consigo quando afirma que os contextos é que determinam qual a melhor construção a utilizar. No entanto, considero totalmente válido tudo o que afirmei na resposta que critica, como passo a explicar.

1.º O advérbio é uma palavra modificadora que pode referir-se ao verbo, mas também a um adjectivo, a um outro advérbio, a um substantivo ou a uma declaração inteira, exprimindo as circunstâncias de uma acção, estado ou qualidade.

2.º Repare-se que, na citação transcrita, Rodrigo de Sá Nogueira refere a colocação dos advérbios apenas em relação ao verbo, defendendo que “nunca se separam por vírgulas”, mas tem o cuidado de acrescentar “a não ser quando haja alguma intercalação”.

3.º E, na perspectiva de que os advérbios qualificam ou determinam as ideias dos verbos, é natural que se defenda que, por princípio, não devem separar-se por vírgulas os advérbios dos respectivos verbos, por analogia com o que acontece a respeito dos adjectivos e respectivos substantivos.

4.º No entanto, são inúmeras as situações em que o advérbio aparece isolado por vírgulas: ou porque o advérbio diz respeito a toda a declaração (e não apenas a uma palavra ou ao verbo), ou porque inicia uma frase exprimindo uma conclusão do anteriormente dito, ou para que não fiquem separados os termos essenciais ou os integrantes de uma oração, ou para que haja clareza na frase, ou para evidenciar um determinado aspecto.

5.º Dos inúmeros exemplos que poderia dar-lhe, seleccionei alguns da obra Os Maias, de Eça de Queirós (Edição “Livros do Brasil”, Lisboa). Procurei diferentes advérbios em situações diversas, para um melhor esclarecimento:

Pergunta:

Um falante oriundo de uma zona de Portugal onde não é reconhecida a oposição fonemática entre "b" e "v" disse que, nas próximas eleições, não iria "deitar" pelo partido tal. Tratar-se-á de emprego de "deitar" na acepção de "botar" após confusão entre este verbo e "votar"?

Resposta:

Não, prezado consulente, não se trata de confusão nenhuma entre botar e votar.

O verbo botar (do prov. botar, impelir) significa deitar, lançar, atirar, pôr, como mostram as seguintes abonações registadas na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira: «caixa onde se lançavam as esmolas para a fábrica do mesmo templo; vinham muitas pessoas ricas, e botavam quantidades grossas.», Manuel Bernardes, Nova Floresta, II, 4, 15, p. 146; «não era senão botar lenha ao forno», Herculano, Lendas e Narrativas, II, p. 253; «e tu, rapariga... bota mais vinho naquele copo», Manuel Ribeiro, A Planície Heróica, I, cap. I, p. 25.

O verbo deitar também tem os significados de pôr, colocar, meter, lançar, referindo-se na enciclopédia acima que em quase todos os sentidos o verbo deitar se pode «substituir por atirar, lançar, botar».

Assim, a expressão «deitar pelo partido ta» significa «deitar o voto na urna» ou «pôr o voto na urna» pelo partido tal.

Cf. Sobre o botar e o votar, in Correio

Pergunta:

Fiquei com dúvidas sobre se devo considerar "guinchou" uma onomatopeia.

Resposta:

A palavra guinchar é formada de guincho (grito agudo, sem pronunciar palavra; som estridente de animal; qualquer som agudo, estridente). Trata-se, sim, de uma palavra onomatopaica, pois pelo seu som se imita a própria realidade do que significa ou do que designa.
As onomatopeias podem ser constituídas por simples conjuntos de fonemas sem estrutura vocabular, ou seja, sem vogais de apoio (como, por exemplo, brrr, pfff, zzzzz), ou podem ser verdadeiras palavras (pumba, catrapuz, pouca terra, muita calha, pouca terra, muita calha).
Segundo Nyrop, na sua Gramática Histórica da Língua Francesa, «As onomatopeias são palavras imitativas, isto é, palavras que pretendem imitar, através dos fonemas de que se compõem, certos ruídos como o grito ou o canto dos animais, o som dos instrumentos musicais, o barulho das máquinas, o ruído que acompanha os fenómenos da Natureza, etc. A onomatopeia é sempre uma aproximação e nunca uma reprodução exacta, como nem de outra forma poderia ser. Os fonemas da voz humana diferem no seu timbre, e noutras qualidades, dos ruídos da Natureza que procuram imitar.»

Pergunta:

Em conversa com amigos, surgiu recentemente uma dúvida que creio ser possível à equipa de Ciberdúvidas esclarecer:
A ser a palavra "alçapão" de origem árabe, como se justifica a permanência da pronúncia do "l", já que o "lame" do artigo deveria ter-se assimilado à consoante seguinte, que é solar?

Resposta:

Segundo Carolina Michaëlis de Vasconcelos, a palavra alçapão não provém do árabe, mas do arcaico ‘alça-pom’, alça e põe, levanta e abaixa. O verbo alçar provém do latim (‘altiare’), e o verbo pôr, também do latim (‘ponere’).

Pergunta:

Gostaria de saber se ambas as frases abaixo estão gramaticalmente corretas.
1 – A é o conjunto de todos os x tais que x seja estado do Brasil.
2 – A é o conjunto de todos os x, tal que x seja estado do Brasil.

Resposta:

Em Portugal, em Matemática, a frase correcta é:
A é o conjunto de todo o x, tal que x é estado do Brasil.
Trata-se de uma construção linguística da linguagem específica da Matemática, que tem o seu código próprio.