Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «Vou "meter" a panela ao lume», a forma verbal utilizada está correcta ou deveriam ser usados os verbos pôr ou colocar?

Resposta:

A expressão correcta é «pôr a panela ao lume».
Nenhum dos outros verbos deverá ser usado, pois o verbo meter significa colocar dentro de algo, introduzir, fazer entrar (o que não se aplica a esta situação), enquanto o verbo colocar apenas significa pôr em determinado lugar, fixar, situar, o que também não se aplica ao caso, pois na expressão «pôr a panela ao lume» está implícita toda a dinâmica do cozinhar.

Pergunta:

Me ajudem no seguinte, aparente, paradoxo:

Por que quando tiramos algum item/produto do estoque efetuamos uma baixa e o médico, quando tira um paciente do hospital, efetua uma alta?

Resposta:

Não se trata de um paradoxo, prezado consulente.

Baixa e alta são, neste contexto, substantivos. Baixa tem diversas acepções, das quais se referem, com interesse para o caso: «enfraquecimento», «decadência», «redução, «diminuição», «abatimento», «afastamento», «queda», «perda de um efectivo militar», «morte». A expressão dar baixa é utilizada em diversas áreas, com significados afins: «tornar sem efeito», «cancelar», «dispensar do serviço militar ou de um emprego», «abater a um rol» (por exemplo, um aparelho danificado ou um produto que se esgotou). No âmbito da saúde, dar baixa ao hospital significa «internar uma pessoa para tratamento», considerando-a, pois, incapaz naquele momento para o trabalho ou para a vida normal. A expressão dar alta ou ter alta, em contexto médico, significa que o doente tem ordem do médico para sair do hospital porque está convalescente ou restabelecido, ou seja, a pessoa volta a pertencer ao número dos que vivem cá fora, dos que estão mais ou menos bem, dos que voltam ao serviço. O mesmo se passa em contexto militar: denomina-se alta o acto de regresso ao serviço de um efectivo que tinha tido baixa para gozar licença ou por estar doente.

Pergunta:

Quais são as formas correctas?
Congratulamos-nos ou congratulamo-nos?
Entregamos-lhes ou entregamo-lhes?
Confesso que, instintivamente, e por me soar melhor, optaria pelas segundas hipóteses, mas ainda não consegui provas de que sejam essas as formas correctas. Agradecia uma resposta tão completa quanto possível, pois trata-se de mais do que uma mera curiosidade. A língua é o meu instrumento de trabalho.
Obrigada, desde já, pelo esclarecimento.

Resposta:

As formas correctas são entregamos-lhes e congratulamo-nos.
A ligação do pronome pessoal forma de complemento indirecto lhe (= a ele ou a ela) ou lhes (= a eles ou a elas) às formas do presente do indicativo do verbo não provoca qualquer alteração nestas: eu entrego-lhe, eu entrego-lhes; tu entregas-lhe, tu entregas-lhes; ele entrega-lhe, ele entrega-lhes; nós entregamos-lhe, nós entregamos-lhes; vós entregais-lhe; vós entregais-lhes; eles entregam-lhe, eles entregam-lhes. O mesmo acontece com as formas pronominais me, te, se e vos.
Quanto à forma pronominal nos (= a nós), a sua ligação à primeira pessoa do plural de diversos tempos verbais (neste caso o presente do indicativo) provoca a supressão do -s final da forma verbal: nós congratulamo-nos, nós amamo-nos, nós despedimo-nos, nós vemo-nos ou revemo-nos; nós aceitamo-nos; nós vestimo-nos, nós cumprimentamo-nos, nós abraçamo-nos, nós afastamo-nos, nós entregamo-nos, nós libertamo-nos, etc.

Pergunta:

Julgo que existe uma designação arcaica para designar associações profissionais fechadas (sapateiros, ourives, ferreiros, etc.) de que não me lembro.
Na literatura inglesa é designada por "guilda".

Resposta:

O termo guilda pertence ao léxico português. Aparece registado na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira com o significado de «associação corporativa de artesãos, mercadores, artistas, etc., em Flandres, durante a Idade Média». As guildas podem classificar-se em eclesiásticas, social-religiosas, de ofícios, de músicos, subdividindo-se ainda as de ofícios em guildas de mercadores e guildas de artífices. Para associações correspondentes em Portugal, usa-se o termo corporação.

Pergunta:

A frase «Eu era um garoto há trinta anos» será simples ou complexa? Tem dois predicados, mas não é ligada por conjunção.

Resposta:

A frase contém duas orações (“Eu era garoto” e “há trinta anos”) com os respectivos predicados (era, há). Assim sendo, trata-se de uma frase complexa. Não é necessário que a frase complexa tenha uma conjunção a unir as respectivas orações. As orações podem ser assindéticas.
Há, no entanto, autores que consideram que estas construções com o verbo haver e expressões de tempo (há quinze dias, há muito tempo, etc.) não constituem orações, mas apenas complementos circunstanciais de tempo.